Istambul é uma das cidades mais antigas e fascinantes do mundo, tendo sido conhecida por diferentes nomes ao longo da história, como Bizâncio, Nova Roma e Constantinopla. Situada entre a Europa e a Ásia, a cidade é dividida pelo Estreito do Bósforo, uma passagem de água que liga o Mar de Mármara ao Mar Negro. No seu ponto mais estreito, o Bósforo tem apenas 700 metros de largura, separando os dois continentes de forma quase simbólica. No meio destas águas de um azul cintilante, ergue-se uma pequena ilha rochosa, onde se encontra um dos monumentos mais icónicos de Istambul, conhecida como “Torre da Donzela” ou “Torre de Leandro”.
A Torre da Donzela (Kız Kulesi). Este local tem sido ocupado há mais de dois mil anos e ao longo do tempo desempenhou várias funções, desde posto alfandegário a farol, hospital, fortificação militar e até estação de radar.
Han Tümertekin, um dos arquitetos responsáveis pela sua mais recente restauração, descreve-a como um “mistério erguido no meio do Bósforo”. Durante grande parte da sua existência, a torre podia ser vista a partir das margens europeia e asiática da cidade, mas permanecia inacessível ao público. Nos últimos anos, tornou-se uma atração turística, proporcionando aos visitantes uma nova perspetiva sobre Istambul. Após um extenso trabalho de renovação que durou dois anos, reabriu ao público em março de 2024, preservando a sua história e imponência, revela o blog Istanbul Tourist Pass.
Uma Encruzilhada do mundo
O ponto de partida para quem deseja visitar a Torre da Donzela é o porto de Karaköy, localizado na margem europeia de Istambul. A cidade tem sido um dos destinos turísticos mais procurados do mundo, recebendo milhões de visitantes anualmente. Em 2024, registou cerca de 23 milhões de chegadas internacionais, consolidando-se como uma das cidades mais visitadas a nível global.
A zona do Corno de Ouro, onde se encontra Karaköy, é um local movimentado, repleto de restaurantes de marisco e bares, onde se pode observar a constante travessia de barcos sob a Ponte de Gálata. No horizonte, destaca-se a mesquita de Rüstem Pasha, um dos marcos arquitetónicos da cidade.
O historiador Saffet Emre Tonguc, que tem estudado a importância do Bósforo ao longo da história, refere que “todos os anos, cerca de 30 mil navios cruzam o estreito” e acrescenta que esta é “uma das passagens marítimas mais movimentadas do mundo”.
Num dia de sol, a travessia de barco até à Torre da Donzela é uma experiência marcante. O percurso é curto, mas permite apreciar a grandiosidade do Bósforo e da cidade que se estende em ambas as margens. Localizada próximo do distrito de Üsküdar, no lado asiático, a torre mantém o seu estatuto de sentinela do estreito, testemunhando séculos de história e a constante ligação entre dois continentes.
A Torre da Donzela teve várias funções ao longo dos séculos. A sua primeira utilização remonta ao ano 410 a.C., quando foi construída para servir como ponto de fiscalização alfandegária. Nesta altura, era utilizada para inspecionar os navios que vinham do Mar Negro e cobrar os respetivos impostos de mercadorias.
“Está de pé logo à entrada. É como se fosse a Estátua da Liberdade”, afirma o historiador Saffet Emre Tonguc. “Quando se entra no porto de Nova Iorque, vê-se a Estátua da Liberdade. Aqui, vemos a Torre da Donzela.”
O guia-intérprete Barış Partal acrescenta que o Mar Negro continua a ter grande relevância estratégica, mas que, no passado, era uma rota comercial essencial. “Hoje, o Mar Negro é muito importante, por causa do petróleo e do gás natural. No passado, passava ouro, prata e cobre, porque as montanhas da Geórgia estavam cheias destes metais preciosos – na verdade, ainda estão. Por sua vez, nesses tempos antigos, havia pessoas que vinham da Grécia, atravessavam o Bósforo para recolher essas matérias-primas e regressavam.”
A ligação desta região à mitologia grega também é evidente. Segundo Partal, o mito de Jasão e os Argonautas, que conta a jornada em busca do Velocino de Ouro, faz referência a esta rota comercial, embora a história tenha sido adaptada para outro local.
De torre militar a farol
No século XII, durante o reinado do imperador bizantino Manuel I Comneno, a torre foi reconstruída como uma estrutura defensiva. Nessa época, foi instalada uma corrente que se estendia até uma segunda torre na margem oposta, servindo para controlar a passagem de navios pelo estreito.
Após a conquista de Constantinopla em 1453, o sultão Mehmed II ordenou que a estrutura fosse reforçada com pedra, transformando-a num pequeno castelo. No final do século XVII, a torre ganhou uma nova função quando foi colocada uma lanterna na sua parte norte, passando a atuar como farol.
Lendas e histórias enigmáticas
Ao longo dos séculos, a Torre da Donzela inspirou diversas lendas. Uma das histórias mais conhecidas conta que um rei consultou um vidente, que lhe revelou que a sua filha morreria mordida por uma cobra. Para evitar esse destino, o rei mandou construir a torre e enviou a filha para lá, garantindo que apenas lhe chegassem cestas de comida. No entanto, segundo a lenda, uma cobra escondeu-se numa das cestas de frutas e acabou por picar a jovem, cumprindo assim a profecia. “Não é possível escaparmos do nosso destino, essa é a mensagem”, explica Partal.
Outra lenda liga a torre à tragédia de Leandro, inspirada nos relatos do poeta romano Ovídio. Segundo a história, Leandro nadava todas as noites até à torre para se encontrar com a sua amada. Contudo, numa noite de tempestade, perdeu-se nas águas e acabou por se afogar. Ao saber do sucedido, a jovem, tomada pela dor, tirou a própria vida.
A torre também está associada a uma curiosa lenda moderna que a coloca num “relacionamento” com a Torre de Gálata, outra estrutura histórica de Istambul. “São um casal”, afirma Tonguc, referindo-se à forma como ambas se destacam na paisagem da cidade.
Um monumento resistente ao tempo
Ao longo dos séculos, a Torre da Donzela sofreu danos causados por terramotos e incêndios, levando a sucessivas intervenções para a sua preservação. Na década de 1940, a ilha foi reforçada com grandes blocos de pedra para garantir maior estabilidade à estrutura.
O mais recente projeto de restauro teve como principal objetivo fortalecer a torre e recuperar detalhes arquitetónicos que tinham sido alterados ao longo do tempo. A renovação durou dois anos e permitiu devolver à torre o seu esplendor original.
Atualmente, os visitantes podem explorar o monumento, desfrutar da vista panorâmica do Bósforo e relaxar no pequeno café da ilha. A visita, no entanto, tem tempo limitado: ao fim de uma hora, os turistas embarcam novamente para regressar ao continente, deixando a ilha deserta até à chegada do grupo seguinte.
Uma viagem até à Torre da Donzela implica algum investimento. O bilhete custa 27 euros, mais cinco euros para o transporte de barco. Outra opção é utilizar o Passe de Museus de Istambul, que tem um preço inicial de 105 euros.
Para Tonguc, este restauro era essencial para evitar a degradação do monumento. Segundo o historiador, as construções históricas de Istambul foram erguidas com grande robustez para resistir a terramotos, inundações e incêndios. “Estão num ótimo estado porque foram construídos para serem úteis durante séculos, não para aguentarem só uns anos.”
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