O papa emérito Bento XVI morreu hoje aos 95 anos, anunciou o Vaticano. Bento XVI foi apenas o terceiro pontífice a atingir esta idade nos últimos 800 anos e era o mais idoso de sempre de todos os Papas.
Joseph Ratzinger nasceu em 1927 e foi Papa entre 2005 e 2013, quando abdicou e passou a ser emérito da diocese de Roma.
“Com dor anuncio que o papa emérito, Bento XVI, faleceu hoje às 9:34, no Mosteiro Mater Ecclesiae, no Vaticano. Outras informações serão comunicadas o mais breve possível”, anunciou em nota à imprensa o diretor do serviço de imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni.
Perfil de Bento XVI (1927-2022): o Papa que renunciou
O papa emérito Bento XVI, que morreu hoje com 95 anos, abalou a Igreja ao resignar do pontificado a dois meses de comemorar oito anos no cargo.
A resignação de Bento XVI, anunciada em 11 de fevereiro de 2013 durante um Consistório no Vaticano e justificada com a “idade avançada”, surgiu após um período de grande desgaste provocado por casos de pedofilia e pelo escândalo “Vatileaks”.
Filho de um comissário da polícia, Joseph Ratzinger nasceu numa pequena localidade alemã, tornou-se professor de teologia, coordenou a equipa que elaborou o novo catecismo e esteve nos conclaves que elegeram os seus dois antecessores.
Defensor da família tradicional, seguiu sempre a linha mais conservadora da Igreja, só chocando os mais ortodoxos em novembro de 2010, quando defendeu o uso de preservativo em casos excecionais, para evitar o risco de contaminação pelo vírus VIH.
Joseph Ratzinger nasceu em Marktl am Inn, na diocese de Passau, na Alemanha, em 16 de abril de 1927. O seu pai era comissário da polícia e provinha de uma família de agricultores, da Baixa Baviera. A mãe era filha de artesãos e, antes de se casar, trabalhara como cozinheira em vários hotéis.
Ratzinger passou a sua infância e adolescência em Traunstein, uma pequena localidade perto da fronteira com a Áustria. “A fé e a educação da sua família prepararam-no para enfrentar a dura experiência daqueles tempos, em que o regime nazi mantinha um clima de grande hostilidade contra a Igreja Católica”, lê-se na biografia oficial disponibilizada no ‘site’ do Vaticano, que acrescenta que “o jovem Joseph viu os nazis açoitarem o pároco antes da celebração da Santa Missa”.
Nos últimos meses da II Guerra Mundial, integrou os serviços auxiliares antiaéreos das forças alemãs. Em 1951, foi ordenado padre e, um ano depois, iniciou a sua atividade de professor na Escola Superior de Freising.
Em 1953, doutorou-se em teologia com a tese “Povo e Casa de Deus na doutrina da Igreja de Santo Agostinho” e, até ao final da década de 1960, foi professor de teologia em várias cidades alemãs. Nesse período, tornou-se também perito no Concílio Vaticano II.
Em 1969, passou a ser catedrático de dogmática e história do dogma na Universidade de Ratisbona, onde ocupou o cargo de vice-reitor. A sua intensa atividade científica levou-o a desempenhar importantes cargos ao serviço da Conferência Episcopal Alemã e na Comissão Teológica Internacional.
Em 1977, o Papa Paulo VI nomeou-o arcebispo de Munique e Freising e, nesse mesmo ano, ascendeu a cardeal.
Participou nos conclaves que elegeram João Paulo I e João Paulo II. Este último, nomeou-o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e presidente da Pontifícia Comissão Bíblica e da Comissão Teológica Internacional, em 1981.
Quase duas décadas antes de ser Papa, Ratzinger presidiu à Comissão responsável por preparar o Catecismo da Igreja Católica.
Em 1998, o cardeal alemão tornou-se também vice-decano do Colégio Cardinalício e, em 2002, decano.
A eleição de Joseph Ratzinger como sucessor de João Paulo II aconteceu a 19 de abril de 2005, tendo adotado o nome de Bento XVI.
Ratzinger tornou-se assim no primeiro alemão a chefiar a Igreja Católica em muitos séculos e um representante da linha mais dogmática da Igreja.
Com ideias que frequentemente chocaram com as correntes liberais do seu país de origem, o nome de Ratzinger surgiu em todas as polémicas no seio da Igreja católica para travar as tentativas de reforma dos seus correligionários mais progressistas.
Na Alemanha, por exemplo, manteve um “braço de ferro” com o cardeal Karl Lehmann, presidente da Conferência Episcopal alemã, em torno da questão do aborto.
“Ir contra a corrente e resistir aos ídolos da sociedade contemporânea faz parte da missão da Igreja”, defendeu.
Os abusos sexuais a menores por padres e o “Vatileaks”, caso em que se revelaram documentos confidenciais do papa, foram casos que agitaram o seu pontificado.
Em 2010, os escândalos que davam conta de padres pedófilos mancharam a sua imagem, com Bento XVI a ser acusado por associações de vítimas de ter encoberto alguns desses casos, acusações desmentidas pelo Vaticano.
Perante a situação, Bento XVI ordenou uma inspeção às dioceses envolvidas, classificando os abusos como um “crime hediondo” numa carta dirigida aos católicos irlandeses, na qual pediu desculpa às vítimas.
Bento XVI pediu desculpa noutras ocasiões e reuniu-se com vítimas durante as suas viagens aos Estados Unidos, Malta, Reino Unido e Austrália.
Durante a viagem a Portugal, em 2010, Bento XVI disse que “o perdão não substitui a justiça”.
Quando no Vaticano tudo parecia acalmar-se, em 2012, surgiu o escândalo que ficou conhecido como “Vatileaks”.
A 22 dezembro 2012, Bento XVI perdoou e libertou o seu ex-mordomo, mas expulsou-o do Vaticano, 12 meses depois de Paolo Gabriele revelar segredos papais e documentos sobre alegados escândalos com fraudes no Vaticano.
Foi autor de numerosas publicações, destacando-se o livro “Introdução ao Cristianismo” (1968), uma compilação de lições universitárias sobre a profissão de fé apostólica, e o livro “Dogma e Revelação” (1973), uma antologia de ensaios, homilias e meditações, dedicadas à pastoral.
Em 2012, Ratzinger publicou o livro “A Infância de Jesus”, onde garante que a virgindade da mãe de Cristo é uma verdade “inequívoca” da fé e revela que, afinal, não havia burro nem vaca no presépio de Belém.
Recebeu numerosos doutoramentos ‘honoris causa’.
Resignou ao pontificado em 28 de fevereiro de 2013, por “motivos de saúde”, como reconheceu o seu irmão Georg Ratzinger, mas “em plena liberdade, para o bem da Igreja”, como o próprio assegurou.
“É consciente da importância deste ato, mas também consciente de não ser capaz de levar a cabo o ministério de Pedro com a força física e espiritual que requer”, afirmou então Bento XVI, justificando a sua decisão de abdicar do trono papal.
Bento XVI: Fátima, Lisboa e Porto na rota do pontificado do “guardião da fé”
Um dos momentos marcantes do pontificado do papa emérito Bento XVI, que morreu hoje aos 95 anos, foi a visita a Portugal em 2010, quando na viagem para Lisboa admitiu “os pecados internos da Igreja” no caso dos abusos sexuais.
Numa ocasião em que os escândalos de pedofilia no seio da Igreja Católica faziam manchetes em diversos países, como a Bélgica, a Irlanda ou os Estados Unidos da América, Bento XVI, ainda no avião papal que o transportou de Roma para Lisboa, disse a jornalistas que “a maior perseguição à Igreja” não vem de “inimigos de fora, mas nasce do pecado da Igreja”.
Esta declaração fez aumentar o nível de expectativa sobre a visita de quatro dias que levou o Papa ao contacto com peregrinos em Lisboa, Fátima e Porto. Encontros com agentes da cultura, em Lisboa, e católicos empenhados na ação social, em Fátima, constituíram momentos altos da passagem de Joseph Ratzinger por Portugal em 2010.
A visita papal foi acompanhada em permanência pelo então Presidente da República, Cavaco Silva.
As multidões que participaram nas eucaristias presididas por Bento XVI (em Lisboa, Fátima e Porto) levaram a inevitáveis comparações com o poder de atração do seu antecessor, João Paulo II – que entre os portugueses ficou conhecido como o Papa de Fátima, pelas três visitas que efetuou ao Santuário, em 1982, 1991 e 2000.
Apesar de em privado ser visto como “professor” ou “sábio”, Bento XVI mostrou que também conseguia surpreender as multidões.
Isso mesmo já acontecera em outubro de 1996, quando, em Fátima, o então cardeal Joseph Ratzinger, investido nas funções de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé – que sucedeu ao Santo Ofício – e assumindo um verdadeiro papel de “guardião da fé”, disse perante uma multidão de peregrinos que o segredo de Fátima “não tem uma importância essencial para a fé”.
Na sua primeira visita ao Santuário da Cova da Iria, o cardeal Ratzinger, uma das poucas pessoas que já lera o texto do chamado terceiro segredo de Fátima, guardado no Vaticano desde 1957 e que viria a ser revelado por vontade de João Paulo II em 2000, disse: “O segredo, na realidade, não se ocupa com a grande história do mundo para informar sobre coisas com que um dia nos possamos deparar”, sublinhando que o texto “não é um ensinamento de história futura, mas uma ajuda e uma educação da fé”.
“A verdadeira vontade da Senhora é convidar à conversão, à fé simples e sem especulações sobre o futuro”, disse Joseph Ratzinger.
Esta passagem de Ratzinger por Fátima ficou ainda assinalada pelo sublinhado que fez sobre o papel dos “pequeninos, os menores, os sem voz” na transmissão da mensagem de Maria.