Menos de um ano após a criação da Reserva Natural Local da Foz do Almargem e do Trafal, em Loulé, duas construções estão a causar controvérsia. A reserva foi oficialmente classificada a 14 de agosto de 2024 e ambas as construções já se encontram em curso. A comunidade científica e ambiental expressa preocupações sobre o impacto das obras.
Um restaurante com parque de estacionamento para 300 viaturas e um hotel estão previstos na reserva natural, oito meses após a mesma ter recebido o estatuto de área protegida.
Petição tem milhares de assinaturas
A reserva natural, situada em Quarteira, integra “ecossistemas sensíveis, habitats de várias espécies protegidas e desempenha um papel fundamental na regulação hídrica e conservação da biodiversidade”, segundo o manifesto da petição. A petição citada pelo Jornal de Notícias foi criada a 27 de março de 2025 e já recolheu mais de 3.200 assinaturas. Entre os destinatários estão o Presidente da República, o Primeiro-Ministro e várias entidades ambientais. Os autores pedem medidas urgentes para travar as intervenções.
Os signatários exigem “a suspensão imediata das obras do restaurante e do estacionamento” e uma “revisão urgente do licenciamento”, tendo em conta a nova classificação da área. Outro ponto forte do apelo é a “realização de um Estudo de Impacto Ambiental atualizado, que avalie os danos causados e os riscos futuros”. Os ativistas referem que a licença de construção foi tornada pública apenas a 10 de dezembro de 2024. Isto aconteceu quatro meses após a área ter sido classificada como protegida.
A Câmara Municipal de Loulé (CML) afirma que o licenciamento seguiu os trâmites legais em vigor. Em resposta ao Jornal de Notícias, explicou que o projeto de arquitetura foi aprovado a 4 de outubro de 2023. A licença de construção 398/2024 foi emitida apenas a 10 de dezembro do mesmo ano. Segundo a autarquia, todos os procedimentos foram devidamente observados.
Plano Diretor Municipal de Loulé mantém-se aplicável
A autarquia esclarece ainda que o “Regulamento da Reserva Natural não possui qualquer incidência territorial urbanística”. A justificação baseia-se no artigo 15.º do Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade. Este regime legal, segundo o município, impede que o regulamento se sobreponha aos planos urbanísticos em vigor. Assim, o Plano Diretor Municipal de Loulé mantém-se aplicável.
A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve (CCDR-A) confirmou a ligação processual ao pedido de parecer. A consulta foi feita pela CML em fevereiro de 2025, através do sistema informático SIRJUE. A CCDR-A acrescenta que o novo requerimento propôs o recuo da estrutura em relação ao projeto aprovado em 2023. Foram ainda apresentadas alterações na solução construtiva.
Município faz um alerta
A Câmara sublinha que o novo projeto prevê uma versão “esteticamente mais atrativa, funcionalmente mais eficaz e com uma integração no território menos intrusiva”. A alteração resulta da substituição do promotor e do arquiteto. A autarquia alerta que todas as condições legais devem ser respeitadas. E frisa que as entidades envolvidas terão de aprovar novamente as alterações.
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Segundo a CML, a obra insere-se na Resolução do Conselho de Ministros n.º 65/2016. Esta resolução aprova a alteração do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) Vilamoura – Vila Real de Santo António. Nesse enquadramento, o restaurante é classificado como Apoio de Praia Simples (APS). O mesmo documento admite a existência de estabelecimentos comerciais associados a este tipo de apoio.
A autarquia argumenta que o projeto cumpre os parâmetros urbanísticos definidos para a zona. O POOC permite que os APS tenham estabelecimentos de restauração ou bebidas. Estes podem complementar os serviços essenciais associados ao apoio balnear. Assim, a construção do restaurante estaria em conformidade com o plano costeiro em vigor.
A CCDR reforça que “a existência de um equipamento de praia” está prevista na frente costeira da unidade balnear UB2. Esta unidade integra o Plano de Praia P4Almargem, previsto no POOC. A localização do restaurante insere-se nessa área indicativa. Por isso, a CCDR considera que não existe infração ao plano em vigor.
Estacionamento poderá ter mais de 300 lugares
O projeto está limitado a uma área máxima de 400 m², segundo os dados da CML. O estacionamento em clareiras aplanadas também está previsto no plano, com um número de lugares entre 283 e 377. Os valores cumprem o dimensionamento estabelecido para o apoio de praia. A autarquia garante que os critérios técnicos estão a ser seguidos.
A Câmara destaca que a caracterização final do apoio de praia será validada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA). A APA é a entidade competente para avaliar estas construções. Cabe-lhe verificar se o projeto respeita os parâmetros ambientais exigidos. Até ao momento, a entidade não se pronunciou publicamente sobre o caso.
Assinantes da petição insistem na suspensão das obras
Apesar da legalidade formal invocada, os peticionários insistem na suspensão das obras. Alegam que a nova classificação da área justifica uma reavaliação completa do projeto. Criticam o facto de a licença só ter sido divulgada depois da proteção já estar em vigor. Pedem ainda responsabilidades às entidades que autorizaram o avanço das construções.
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