O Tribunal da Relação de Évora negou provimento ao recurso e confirmou a decisão do Juízo do Trabalho de Portimão, da comarca de Faro, que recusou existir uma relação contratual entre 27 estafetas e a plataforma digital Glovo.
Os juízes desembargadores, no acórdão de quinta-feira e ao qual a Lusa teve acesso, decidiram “negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida” que recusou reconhecer a existência de contrato de trabalho entre a plataforma Glovo e 27 estafetas.
“Impõe-se concluir que não se demonstra a existência de um contrato de trabalho entre a ré [plataforma] e cada um dos estafetas mencionados no recurso”, considera-se na decisão, acrescentando que, assim, o recurso do Ministério Público (MP) “não pode proceder”.
O MP recorreu da sentença do Juízo do Trabalho de Portimão, da comarca de Faro, que em 05 de abril negou a existência de uma relação contratual entre 27 estafetas e a plataforma digital Glovo, argumentado que não estão reunidos os pressupostos exigidos no Código do Trabalho.
A decisão excluiu seis dos peticionários da ação interposta pelo MP no direito a verem aplicado ao seu caso recentes alterações ao Código do Trabalho, em vigor desde 01 de maio de 2023, que contemplam pressupostos específicos para as plataformas digitais.
O tribunal deu como provado que o início de funções ao serviço da Glovo destes seis estafetas foi anterior à data da entrada em vigor da nova legislação.
O juiz considerou ainda como provado um “conjunto de elementos” que “apontam no sentido da inexistência de uma relação com caráter de subordinação” entre os estafetas e a empresa.
Na apreciação do recurso, os desembargadores da Relação de Évora constataram que “o estafeta pode aceitar, não responder, ou rejeitar o serviço proposto” e que “essa rejeição pode verificar-se mesmo após” a aceitação do serviço proposto, “sem que tal afete o estatuto da sua conta na aplicação, a apresentação de futuros serviços e o preço de tais futuros serviços”.
Os estafetas podem também “permitir ou não que a plataforma tenha acesso à sua localização, sem que isso tenha impacto na realização do serviço ou leve a alguma penalização” e “escolhem o meio de transporte utilizado, definem o percurso a seguir, podendo desligar a geolocalização do telemóvel”, acrescenta-se.
Além disso, uma vez por dia, podem “aumentar o valor total recebido por cada serviço”, escolhem “os dias e horas que pretendem ligar-se à aplicação” e podem “subcontratar outro prestador de serviços de entrega”.
“Esta factualidade é impressiva para afastar a existência de qualquer subordinação jurídica do estafeta em relação à ré”, consideram os juízes João Luís Nunes, Emília Ramos Costa e Paula do Paço, pois, embora a Glovo, através da plataforma digital, organize e coordene a prestação da atividade, “os estafetas gozam de uma ampla autonomia” nessa prestação do serviço.
A possibilidade de se fazerem substituir por outras pessoas, demonstra para os desembargadores que à empresa “não interessa a atividade em si daquele concreto estafeta, mas sim o resultado” da entrega dos produtos, característica da prestação de serviço.
Nesse sentido, além de serem pagos em função de cada serviço prestado, invocam-se ainda na decisão outros factos embora de “menor relevância”, como “o regime fiscal”, através da emissão de recibos, “e a possibilidade de os estafetas prestarem outras atividades ou, inclusive, a mesma atividade para empresas concorrentes”.
No recurso da decisão que julgou improcedente o reconhecimento do contrato de trabalho e absolveu a Glovo Portugal, o MP concordou que seis estafetas não estarão abrangidos pelas novas regras do Código do Trabalho, mas discordou em relação aos demais prestadores de atividade.
“É a plataforma Glovo que, unilateralmente, fixa a retribuição e, além disso, estabelece também um limite mínimo e um limite máximo para o prestador de atividade/estafeta por cada serviço prestado”, contrapôs o MP, considerando “uma falácia afirmar que não é a plataforma que fixa o valor”, mesmo quando os estafetas podem recusar o serviço.
A empresa, na contra-alegação ao recurso, advogou que, se o MP aceitou que a relação contratual dos seis estafetas “não é passível de se reconduzir nem qualificar como contrato de trabalho”, então o mesmo se aplica aos restantes, porquanto a forma como a atividade é desenvolvida por uns e outros “é a mesma”.
“Esta sentença confirma aquilo que sempre defendemos: o distinto modelo de funcionamento da aplicação da Glovo segue os critérios estabelecidos na lei. Os estafetas que se decidem ligar à aplicação são trabalhadores independentes, que escolhem, livremente, quais os serviços a prestar e a quem, bem como o local, a forma e o momento em que o pretendem fazer”, defendeu anteriormente à Lusa a Glovo, assumindo-se como “plataforma tecnológica de intermediação”.
No início de fevereiro, numa decisão inédita em Portugal, o tribunal judicial da comarca de Lisboa reconheceu pela primeira vez a existência de um contrato de trabalho entre um estafeta e a Uber Eats Portugal, plataforma de entrega de refeições ao domicílio concorrente da Glovo, após o MP ter interposto uma ação com esse objetivo e na sequência de uma inspeção da Autoridade para as Condições de Trabalho.
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