Os produtores de alfarroba do Algarve estão revoltados com os constantes furtos do produto, cujo preço deverá atingir um novo máximo neste verão, tornando-se num dos frutos mais apelativos para venda no mercado paralelo.
Atualmente, o preço do fruto – valioso devido à sua polpa e sementes, muito usadas na indústria alimentar -, é 10 vezes superior ao que era há poucos anos: uma arroba (15 quilos) vale agora 50 euros, quando há cinco anos valia cinco ou seis euros.
Com receio dos furtos, que têm aumentado, os produtores este ano decidiram antecipar-se e começar já a colher as alfarrobas – normalmente, a campanha começa em 01 de agosto -, mas queixam-se de falta de legislação que obrigue ao registo do produto, o que os levou a convocar, para hoje, uma manifestação em Loulé.
“Os agricultores no Algarve estão descontentes porque nunca se viu tanto roubo como este ano […] Todos os dias há dezenas de agricultores a serem roubados”, denuncia à Lusa Horácio Piedade, presidente do Agrupamento de Alfarroba e Amêndoa (AGRUPA).
A cooperativa, que integra cerca de 400 produtores, integrou um grupo de trabalho composto por várias entidades públicas que desenhou uma proposta para regular a compra e venda de alfarroba, rastreando o produto através da obrigação de registo no Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP).
Porque, segundo Horácio Piedade, o problema não está só na impunidade de quem furta o produto, mas também daqueles que o compram, pelo que é necessária uma lei que estabeleça que os comerciantes só podem comprar o produto quando está identificado pelos produtores.
“Para mim, aqueles que compram o produto roubado deviam ser mais castigados ainda do que aqueles que roubam, porque eles sabem que o produto é roubado. Tenho conhecimento de quem abra as portas à noite para comprar alfarroba roubada”, lamentou.
Segundo explicou aquele responsável, ao fazer o registo no IFAP era entregue um cartão com o número de identificação do produtor e o comerciante só poderia comprar quando o agricultor lhe apresentasse o cartão, o que evitava, também, a evasão fiscal.
“O Estado está a ser roubado diariamente em milhares de euros [devido ao não pagamento de impostos sobre a transação da alfarroba furtada] e vou-lhe dizer mais: há conhecimento de camiões que carregam alfarrobas roubadas aqui e passam para Espanha”, denunciou.
Debaixo da sombra de uma alfarrobeira, numa das várias parcelas de terra que tem em Loulé, concelho algarvio onde existe a maior extensão desta cultura de sequeira, José Grosso contou à Lusa que nos últimos anos tem tido prejuízo com os recorrentes furtos.
“Uma vez levaram-me à volta de 300 arrobas [cerca de 4.500 quilos], de uma vez só. […] O ano passado, por exemplo, apanhei uns indivíduos que já tinham ensacadas à volta de 100 arrobas, mas ainda fui a tempo e consegui enfrentá-los”, relatou.
Dessa vez em que surpreendeu o grupo a furtar alfarrobas na sua propriedade, José Grosso fez uma participação à GNR, noutra ocasião, o caso foi mesmo parar ao tribunal, mas o processo acabou por ser arquivado.
Noutra situação, o produtor apanhou um adolescente em flagrante, chamou a GNR, cerca das 09:00, mas os militares só lá chegaram “eram já cinco da tarde”. No entanto, José Grosso não culpa a GNR, mas sim o Governo, por não garantir mais efetivos.
“Entre o limite do concelho de Loulé, que é São Brás de Alportel, aqui pela parte oriental, e o limite na parte ocidental, que é o concelho de Albufeira, havia apenas uma patrulha. Ora, em agosto, quando a população triplica, é impossível uma patrulha dar apoio a tudo”, sublinhou.
Para este ano, estima-se uma produção de cerca de 40 mil toneladas de alfarroba no Algarve, o que é considerado um ano bom, mas embora a quantidade possa vir a ser superior do que no ano passado, a qualidade da alfarroba pode ficar comprometida pelo facto de a campanha estar a iniciar-se demasiado cedo.
“Com os furtos, quer os ladrões, quer os agricultores, que têm de andar à frente dos ladrões para evitar que lhes apanhem os frutos antes, a colheita começa a ser feita demasiado cedo e isso coloca questões na qualidade”, referiu à Lusa o engenheiro hortofrutícola José Filipe Coelho.
Segundo o engenheiro, apesar de a alfarroba poder já ter atingido a cor negra, o que significa que está madura, por dentro pode ainda ter muita humidade.
Depois, quando é guardada nos armazéns, podem ocorrer fermentações e outros problemas que podem levar ao seu apodrecimento e “afetar a qualidade que o mercado exige”, acrescentou o técnico da Agrupa.
A semente do fruto da alfarrobeira é utilizada em várias indústrias, como a farmacêutica, a cosmética ou a alimentar – como aditivo para pudins, papas de bebé e estabilizantes de gelados -, e também para a indústria têxtil.
A polpa da alfarroba, que representa 90% do peso do fruto, é aproveitada para doçaria variada, como bolachas e bolos, licores, xarope, pão e alimentação para animais.
(Marta Duarte – Agência Lusa)