Até ao horizonte, em todas as direções, “apenas” oceano, sem um ponto de referência para situar a “riqueza” de que fala Emanuel Gonçalves, coordenador da expedição científica para levantamento da biodiversidade da maior montanha submarina de Portugal, o banco de Gorringe.
Não se vê, mas está lá, por debaixo do casco do antigo bacalhoeiro Santa Maria Manuela, que funciona como centro de operações da campanha que reúne cerca de 30 cientistas de 14 centros de investigação, e é no convés do navio que Emanuel Gonçalves afirma que “com a extensão de oceano que tem, Portugal tem tudo a ganhar se assumir a liderança na Europa na área da proteção do oceano”, porque tem uma “riqueza de biodiversidade marinha que muita da população desconhece, que ainda está largamente por estudar e que tem de ser estudada para sustentar os esforços de proteção”.
A expedição de três semanas – promovida pela Fundação Oceano Azul, Oceanário de Lisboa, Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e Marinha Portuguesa – é um esforço para impulsionar o caminho de Portugal no cumprimento da estratégia europeia de conseguir que até 2030 pelo menos 30% do oceano seja protegido, com pelo menos 10% com proteção estrita.
Emanuel Gonçalves lembra que “as áreas marinhas protegidas são uma ferramenta para proteger e ajudar o oceano a recuperar dos impactos da atividade humana, como a pesca excessiva, e isso depois tem efeitos benéficos para a utilização humana do oceano”.
Mas para proteger é necessário conhecer e o trabalho dos investigadores na expedição – recolha de amostras de fauna e flora através de mergulhos, censos de biodiversidade através de registos vídeo com câmaras colocadas no fundo ou a flutuar perto da superfície, investigação de zonas mais profundas com recurso a um veículo controlado remotamente e censos visuais de aves e mamíferos marinhos – irá dar origem a um relatório científico.
Este relatório, com publicação prevista para o primeiro trimestre de 2025, visa sustentar a gestão daquela área, que desde 2015 já é área marinha protegida da Rede Natura 2000 mas exige proteção mais robusta.
Sobre o trabalho realizado, o coordenador da expedição, que levou cerca de um ano a preparar, afirma que não se trata apenas de fazer o levantamento e catalogar a biodiversidade que existe, “mas também constatar o que já falta, como grandes predadores, que deveriam estar presentes em maior quantidade, mas são em número reduzido, presumivelmente devido ao excesso de pesca”.
Em mais de uma centena de lançamentos à água de sistemas de câmaras de vídeo com isco para atrair fauna marinha, nas imagens captadas surgiram apenas dois tubarões azuis, apesar de a riqueza da fauna da montanha submarina justificar a existência de mais predadores do topo da cadeia alimentar.
O banco de Gorringe tem dois picos principais, os montes submarinos Gettysburg e Ormonde, que apesar de submersos, ao elevarem-se desde profundidades de cerca de 5.000 metros são mais altos do que as montanhas do Pico (Açores) e Serra da Estrela juntas e são as montanhas mais altas da Europa ocidental. São ecossistemas de elevada biodiversidade, com habitats que vão desde florestas de algas perto da superfície até recifes de coral de água fria a grandes profundidades.
Considerados “oásis oceânicos”, onde já estão identificadas mais de 800 espécies, para além da flora e fauna bentónica (associada ao fundo) os picos do banco de Gorringe atraem também grande variedade de fauna pelágica (que vive em água aberta), incluindo mamíferos marinhos, como golfinhos e baleias, tartarugas e aves marinhas.
A cerca de 130 milhas náuticas (cerca de 240 quilómetros) a sudoeste do cabo de S. Vicente, no Algarve, o banco de Gorringe foi originalmente cartografado em 1875 por Henry Gorringe, comandante do navio da marinha dos Estados Unidos USS Gettysburg e é uma cordilheira submarina com cerca de 180 quilómetros de comprimento e 60 quilómetros de largura.
A expedição tem o envolvimento institucional do Governo Português, Fundo Ambiental, Autoridade Marítima Nacional, Oceana, National Geographic Pristine Seas e Waitt Institute e a equipa científica envolve o Instituto Hidrográfico, IPMA, e os centros de investigação CCMAR – Universidade do Algarve, CESAM – Universidade de Aveiro, CIBIO e CIIMAR – Universidade do Porto, MARE – IPLeiria, Okeanos – Universidade dos Açores, Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), Associação para a Investigação dos Mamíferos Marinhos (AIMM), Aquário Vasco da Gama, Moss Landing Marine Laboratories da universidade de San Jose (Estados Unidos), Marine Futures Lab da universidade de Western Australia e o Laboratory of Applied Bioacoustics da Universidade Politécnica da Catalunha.
João Miguel Roque (texto) e André Kosters (foto), agência Lusa
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