Os Centros de Saúde também têm de desconfinar! Entrámos em agosto com as novas medidas de desconfinamento progressivo do país a serem anunciadas.
Mas, e quanto ao ‘desconfinamento’ dos centros de saúde? Aí, mantém-se a espera, as dúvidas dos utentes, dos médicos de família e dos outros profissionais dos Cuidados de Saúde Primários.
Como dizia o narrador do filme Casablanca, “esperar… esperar… esperar…”.
O impacto da pandemia covid-19 está longe de estar recuperado nos Centros de Saúde.
A preocupação com a diminuição da acessibilidade aos cuidados de saúde já foi manifestada por inúmeras vezes. Infelizmente e incompreensivelmente mantém-se a ausência de resposta de quem tem de a dar.
A priorização dada à vigilância telefónica/observação de doentes suspeitos e/ou diagnóstico de covid-19 e o contributo para a vacinação conduziu a uma drástica alteração do perfil de cuidados prestados ignorando que os doentes continuam a ter outras doenças e a morrer de outras causas que não a covid.
Para os mais atentos, facilmente se percebe que isto implica que muitos Centros de Saúde não consigam dar resposta às necessidades que todos conhecem. Mas, poucas são as mudanças aplicadas por quem tem poder de decisão e não está “no terreno”.
Mantém-se o desvio constante dos mesmos profissionais dos Cuidados de Saúde Primários – em especial médicos de família – para as tarefas covid-19, que podem e devem ser realizadas por outros profissionais.
Mas, a inércia e falta de planeamento estratégico têm de ser, e podem ser, vencidas.
Face ao aumento da cobertura vacinal e à evolução da pandemia é o momento de exigir uma mudança e adequação das normas e orientações para o acompanhamento desses doentes.
Os médicos de família têm de rapidamente voltar a prestar cuidados a todos os seus doentes.
Há que aproveitar o momento para repensar o modelo de prestação de cuidados aos nossos utentes. Agilizá-los. Dar respostas mais rápidas e mais eficazes aos nossos doentes.
Interromper a quase exclusividade da atenção dada à doença crónica e criar um espaço para resolver os problemas de patologia aguda que os nossos doentes também apresentam.
Há que garantir a retoma dos cuidados a nível da Medicina Geral e Familiar. Mas há que garantir que retoma queremos fazer. De que cuidados precisam os nossos doentes? Que novas necessidades surgiram com a pandemia? Que novas exigências e necessidades têm os nossos doentes?
Há que assumirmos o desafio de mudar para que nada fique na mesma. Os médicos conhecem os seus doentes melhor que qualquer diretor-geral ou ministro.
A saída da pandemia pode ser um momento de oiro para mudarmos para melhor. Para contribuir ativamente para colocar novamente os nossos doentes no centro do sistema.
Retomar não tem que significar obrigatoriamente voltar a fazer de novo tudo o que antes era feito. Retomar significa voltar a garantir cuidados de saúde que deixaram de ser garantidos. E os nossos doentes bem o sabem.
Mas retomar deve significar fazer melhor, de forma mais eficaz, mais alinhada com as necessidades e disponibilidade dos nossos doentes.
Retomar deve ser um momento de mudança para fazermos melhor o que antes fazíamos.
Retomar é acompanhar os nossos doentes e formar os nossos internos.
Retomar é criar novas dinâmicas nos nossos Centros de Saúde, desburocratizando processos e dando respostas de acordo com as necessidades dos nossos doentes. Percebendo que os Centros de Saúde podem ter populações diferentes e que, como tal, têm de se organizar de formas diferentes.
Temos de ter maior agilidade na resposta e ganhar diferenciação.
Somos a maior especialidade médica. Temos, pois, a responsabilidade de sermos ambiciosos e querer fazer melhor.
Os tempos mudaram e muito ainda vão mudar. Os médicos de família querem fazer a diferença. Não para ser simplesmente diferentes, mas para melhor cuidarmos dos nossos doentes.
É possível, e é urgente. É sempre possível. Mesmo em agosto, como aconteceu com o milagre da Madonna della Neve. Neve em agosto, em Roma. Foi possível.
Crónica de opinião publicada pelo nosso parceiro Expresso