O leitor recordar-se-á da reacção que teve quando cheirou um odor desagradável!
A capacidade de detectar e reagir ao cheiro de uma potencial ameaça é uma condição prévia para a sobrevivência da nossa espécie e de outros mamíferos. Utilizando uma técnica inovadora, os investigadores do Instituto Karolinska, na Suécia, puderam estudar o que acontece no cérebro quando o sistema nervoso central julga que um cheiro representa perigo. O estudo, agora publicado na revista PNAS (https://www.pnas.org/content/118/42/e2101209118), indica que os odores negativos associados a situações desagradáveis ou a mal-estar são processados mais cedo do que os odores positivos e desencadeiam uma resposta física evasiva.
“A resposta humana de evitar cheiros desagradáveis associados ao perigo há muito que é vista como um processo cognitivo consciente, mas o nosso estudo mostra pela primeira vez que é inconsciente e extremamente rápido”, diz o primeiro autor do estudo, Behzad Iravani, investigador do Departamento de Neurociência Clínica do Instituto Karolinska.
O órgão olfactivo ocupa cerca de cinco por cento do cérebro humano e permite-nos distinguir muitos milhões de cheiros diferentes. Uma grande proporção destes cheiros está associada a uma ameaça à nossa saúde e sobrevivência, tal como a dos produtos químicos e alimentos podres. Os sinais de odor chegam ao cérebro dentro de 100 a 150 milissegundos após serem inalados através do nariz.
A sobrevivência de todos os organismos vivos depende da sua capacidade de evitar o perigo e de procurar recompensas. No ser humano, o sentido olfactivo parece particularmente importante para detectar e reagir a estímulos potencialmente nocivos.
Há muito que os mecanismos neurais envolvidos na conversão de um odor desagradável em comportamento evasivo nos seres humanos constituem um mistério. Uma razão para tal é a falta de métodos não invasivos de medição dos sinais do bolbo olfactivo, a primeira parte do rinencéfalo (literalmente “cérebro nasal”) com ligações directas (monossinápticas) às partes centrais importantes do sistema nervoso que nos ajuda a detectar e a recordar situações e substâncias ameaçadoras e perigosas.
Os investigadores do Instituto Karolinska desenvolveram agora um método que, pela primeira vez, tornou possível medir sinais do bolbo olfactivo humano, que processa odores e que por sua vez pode transmitir sinais a partes do cérebro que controlam o movimento e evitam comportamentos.
Os seus resultados baseiam-se em três experiências em que os participantes foram convidados a classificar a sua experiência com seis cheiros diferentes, alguns positivos, outros negativos, enquanto a actividade electrofisiológica do bolbo olfactivo ao responder a cada um dos cheiros era medida.
“Ficou claro que o bolbo reage específica e rapidamente a odores negativos e envia um sinal directo para o córtex motor dentro de cerca de 300 ms”, diz o último autor do estudo Johan Lundström, professor associado no Departamento de Neurociência Clínica do Instituto Karolinska. “O sinal faz com que a pessoa se incline inconscientemente para trás e se afaste da fonte do cheiro”.
Os resultados sugerem que o nosso sentido de olfacto é importante para a nossa capacidade de detectar perigos na nossa vizinhança, e muito desta capacidade é mais inconsciente do que a nossa resposta ao perigo mediada pelos nossos sentidos de visão e audição.
*António Piedade é Bioquímico e Comunicador de Ciência. Publicou mais 700 artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de nove livros de divulgação de ciência, entre os quais se destacam “Íris Científica” (Mar da Palavra, 2005 – Plano Nacional de Leitura),”Caminhos de Ciência” com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa Universidade de Coimbra, 2011) e “Diálogos com Ciência” (Ed. Trinta por um Linha, 2019 – Plano Nacional de Leitura) prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, entre os quais, o já muito popular “Ciência às Seis”, no Rómulo Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra. Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.