“O caciquismo não é um acessório do regime. É o próprio regime. Ou pelo menos está para o regime como o coração está para o organismo que bate: é o aparelho distribuidor da energia e da acção.” Este pensamento podia ter sido escrito por estes dias, mas foi em 1910, pois é … O médico António José d’ Almeida – que viria mais tarde a ser o 6º Presidente da República 1919-1923, escrevia na revista Alma Nacional, um texto com o título ‘Galopins’. Palavra que na altura, era utilizada para designar os angariadores de votos. Passados que estão mais de 100 anos sobre a data em que este texto foi escrito, e 40 sobre a implementação da democracia em Portugal. Temos a sensação de que nada mudou neste último Século …
“Por cacique entendia-se ser o homem de influência e prestigio eleitoral que dominava uma região” definia António José d’Almeida no mesmo artigo. ”Galopim chamava-se ao aventureiro que executava os planos do cacique; era a criatura que estava especificamente encarregada da técnica eleitoral, de fazer a batota marcando as listas, falsificando os cadernos, praticando as chapeladas. O galopim era uma espécie de chefe de guerra do cacique”.
As referências associadas ao caciquismo não estão conotadas muito menos associadas e um regime político em particular. Atravessaram metade do séc. XIX, desde 1852, entretanto acentuam-se mais depois de 1876, tendo-se mantido na República, até ao golpe de 1926 originando as condições para a ascensão de Salazar ao poder. Desenvolveu-se então o caciquismo próprio de regimes do partido único, em Portugal com a União Nacional. Quando mais se descia na hierarquia de Administração, maior era a capacidade de influência da União Nacional na triagem e apresentação de candidatos, filtragem dos acessos ao funcionalismo público e à administração local, criando mecanismos de clientelismo tipicamente partidário.
As descrições do caciquismo no Portugal oitocentista não andam longe das referências negativas do partidarismo de hoje. Influência política e de promiscuidade, dos e entre os dirigentes e/ou decisores locais, corrupção eleitoral viciação dos resultados (vida interna dos partidos), o compadrio, o favor, a cunha e outras situações mais. Enfim, continuamos vivendo no mesmo País, novos tempos com velhos hábitos.
Também em 1910, Mariano Carvalho, escrevia no editorial de O Popular, “Estes partidos não existem por questões de princípio, nem muito em geral por processos de administração. Apenas se distinguem porque os chefes têm este ou aquele nome, porque existem estes ou aqueles interesses gerais, locais ou pessoais. Os princípios, como vulgarmente se diz, foram à carqueja.” A vivência recente diz-nos e tem demonstrado, que os partidos actuais continuam com uma rigidez de borracha para se adaptarem a cada momento.
As estruturas partidárias de hoje, não pertencem aos seus militantes. Tornaram-se coutadas facções de interesses vários, mas não só. Cada estrutura hierárquica do partido tem a sua própria oligarquia, nos vários níveis de influencia da sociedade, quer seja ao nível político, nas freguesias, nos concelhos, nos distritos e/ou regiões, ou da sociedade civil nas Misericórdias, Bombeiros ou IPSS. Maria da Conceição Pequito Teixeira escreveu no seu livro, ‘O Povo Semi-Soberano – Partidos Políticos e Recrutamento Parlamentar em Portugal’, que, entre os elementos que melhor definem os sentimentos anti-partidários dos cidadãos, encontra-se a ideia generalizada de que o funcionamento interno dos partidos não é suficientemente democrático e a convicção de que este facto contribui para debilitar seriamente a legitimidade de todo ‘O’, ou melhor ‘Os’ sistemas democráticos.
No entanto, os partidos, com todos os seus defeitos, e que são muitos e profundos, devem continuar a ser um dos pilares da democracia. Winston Churchill, dirigia-se à Câmara dos Comuns, em 11 de Novembro de 1947, com as seguintes palavras: “A democracia é a pior forma de governo, à excepção de todos os outros já experimentados ao longo da história.” Aparente contradição da frase deste grande Estadista do Séc. XX, ajuda-nos a reflectir na busca de respostas para explicar o indiscutível, mas também evidente, descontentamento generalizado dos portugueses com o actual estado da democracia. Motivos que devem reforçar, a necessidade urgente dos partidos se reencontrarem, reflectirem sobre a sua organização interna, o exemplo dado à sociedade e ao permanente e constante exercício de cidadania quanto ao seu papel na gestão da coisa pública, na construção de uma Sociedades mais justa.
Em Portugal, o regime, ou os regimes, as coutadas, só se aperfeiçoaram quando os partidos tomarem consciência e se readaptarem implementando medidas para funcionarem como verdadeiras democracias de maior transparência, rigor cativando a confiança do eleitorado pelo exemplo. Demonstrando através do exemplo, de boas práticas a capacidade, o know-how, e o rigor da excelência da gestão do bem comum.
Com algumas pequenas correcções organizacionais, com a introdução de procedimentos de melhoria de eficácia e transparência, como por exemplo: o cartão de militância ser personalizado incluindo fotografia; apresentação de comprovativo de morada quando da inscrição; prova de militância ir mais além do que o mero pagamento da quota; participação em eventos do partido; interacção via email com a sede e os diferentes órgãos de forma a um maior envolvimento participativo no debate político e na discussão de soluções e novas propostas. Criminalização, sim criminalização !! Basta que os crimes eleitorais previstos no Código Penal, no capitulo dos «crimes contra a segurança do Estado» fossem alargados ao universo partidário: falsificação do recenseamento eleitoral, perturbação de assembleia eleitoral, fraude em eleição, coacção ao eleitor, fraude e corrupção de eleitor, já está tudo consignado na lei não é necessário inventar nada !!
Na verdade, os partidos existem para governar, exercer o poder, administrarem o património comum, o Estado, seja ele ao nível central ou local. É desejável, e possível ter uma democracia mais saudável. No entanto, se os partidos não se regenerarem num futuro próximo, o regime corre sérios riscos de ser tomado por demagogos radicais, extremistas. Gente cada vez mais impreparada, sem valores ideológicos nem princípios éticos, ou deontológicos. Onde o que conta, são exclusivamente os interesses pessoais que se sobrepõem aos colectivos, e nem o dever do respeito pelas normas e regulamentos em vigor param essa ganância. Quando me refiro aos partidos, estou-me referindo a todas e quais queres organizações politicas, sejam elas os partidos tradicionais, ou a esta nova vaga de organizações ‘ditas’ independentes, mas que de independentes nada têm nem podem ter !! Porque tem opinião, e apresentam-se aos eleitores com propostas concretas.
É meu objectivo, com este texto, provocar os Cidadãos, sejam eles: Lacobrigenses, Algarvios ou Portugueses em geral. Contribuir para uma reflexão individual e colectiva, sobre a legitimidade dos representantes dos partidos quando se apresentam a eleições. Quando chegarem ao poder interno, com base em processos viciados, fraudulentos e não democráticos. Serão estas mulheres e homens, representativos de uma militância político/partidária sã, sustentada em propostas discutidas, fundamentadas, testadas com conhecimento profissional e académico. São representativos dos verdadeiros projectos político/ideológicos, ou não. Haverá democracia, será esta decente, saudável ?
Acredito, que existem excepções a todo este pântano, mal de nós se assim não fosse. Existe na política, pessoas de bem. Cidadãos que desempenham as suas funções com brio e zelo, dando de si o melhor que sabem, com ‘O’ sentido, do ‘Servir’ as comunidades aonde estão inseridos, e por estas contribuir na construção de uma sociedade mais justa e perfeita.
Este texto tem por base, o livro “Os Predadores”, de Vítor Matos, que reflecte o trabalho de investigação realizado ao modus operandi dos dois principais partidos portugueses.
* Licenciado em Gestão de Empresas, doutorando em Turismo