A preparação do piloto Miguel Oliveira reúne três técnicos fora da equipa KTM, entre trabalho de força no ginásio, treino cardiovascular com bicicleta e uma componente técnica de condução com moto, gerida por Miguel Praia.
“A minha missão é proporcionar-lhe todas as ferramentas, incluindo a pista, prescrevendo treinos personalizados, mediante as necessidades identificadas por ambos. Este trabalho costuma decorrer no Algarve e tem uma maior preponderância no início de cada época, após as longas paragens invernais”, explicou à Lusa o ex-piloto natural de Portalegre.
Miguel Praia assume “ter trabalhado bastante” na condução de Miguel Oliveira, cujos exercícios físicos são coordenados por Bruno Jorge, além do treino cardíaco orientado por Sérgio Carvalho, com o auxílio da bicicleta, ferramenta “semelhante a uma mota a nível de posição, que permite treinar várias horas e garantir um baixo peso do piloto”.
“Um motociclista tem de ser um atleta extremamente equilibrado, misturando excelente resistência e força muscular, mas com a menor massa muscular possível, para não comprometer a agilidade e não carregar peso extra, de forma a dominar um protótipo com cerca de 150 quilogramas, que atinge mais de 330 quilómetros por hora”, analisou.
A cooperação do piloto almadense com quem evoluiu sete épocas nos Mundiais de Supersport e Superbikes perdura desde 2016, refletindo “uma profissão nova” na grelha do MotoGP, que “nem o próprio Valentino Rossi abdica”, ao ter “o seu ‘coach’ nas vias de serviço da pista a ver a concorrência e obter informação preponderante para análise”.
“Como os pilotos só têm a possibilidade de comparar a telemetria com o colega de equipa, os ‘coaches’ fazem todo o sentido. Reportam esses dados imediatamente aos pilotos e à equipa, para que estes decidam se vale a pena experimentar percorrer uma curva numa mudança diferente ou passar mais à esquerda ou mais à direita”, contou.
Miguel Oliveira, de 25 anos, compete na elite do motociclismo de velocidade desde 2019, quando teve de transpor as “normais dificuldades de um ‘rookie’”, acrescidas das “dores de crescimento” do projeto da KTM, assinando uma “progressão tremenda”, finalizada no 17.º posto, que lhe permitiu “colocar-se rapidamente como uma referência da marca”.
“Deve-se aos resultados, ao ‘feedback’ positivo e à postura profissional, a contrastar, por exemplo, com a falta de maturidade do Johann Zarco [foi despedido em setembro de 2019, saiu para a Honda e está na Ducati], que, apesar da maior experiência, sucumbiu à pressão de ter uma mota pouco competitiva e abandonou o projeto a meio”, recordou.
Essa “fase de aprendizagem” marcou um “virar de página” no estatuto do único piloto português na história do MotoGP, cujos dividendos surgiram esta temporada, ao triunfar em agosto no Grande Prémio da Estíria, disputado no circuito austríaco de Spielberg, tendo “superado todas as expectativas” com uma dupla ultrapassagem na última curva.
“Vencer na segunda época na categoria rainha é um feito. Vencer com uma moto satélite é um segundo feito. Tudo é mérito da progressão do Miguel, um piloto muito persistente, consistente e inteligente, que se adaptou às dificuldades e nuances da moto e beneficiou de um excelente programa de testes feito pela KTM durante o confinamento”, vincou.
Miguel Praia, de 42 anos, valoriza ainda o “trabalho de bastidores” do espanhol Dani Pedrosa, ex-campeão mundial nas classes de 125cc e 250cc e atual piloto de testes da KTM, cujos “benefícios são reconhecidos e muito eficazes” para a marca austríaca, tendo em conta a “enorme experiência” acumulada pela Honda no MotoGP, entre 2006 e 2018.
“Ao casar empenho e consistência, com um grande poder adaptação, o Miguel Oliveira passou a ser uma clara referência, a par do Pol Espargaró. A partir de um ano de ‘rookie’, esteve ao nível e, muitas vezes, até se superiorizou ao piloto mais experiente do construtor, acelerando a promoção à equipa principal. Trabalhou muito para tal”, notou.
Além das vertentes física e técnico-tática, o líder do Departamento de Eventos e da Racing School do Autódromo Internacional do Algarve vislumbra no compatriota uma “componente psicológica cada vez mais treinada”, até porque “o cérebro é tão importante como qualquer outro músculo” e “gere todas as emoções vividas num Grande Prémio”.
“O Miguel Oliveira faz essa parte como ninguém. Concilia valores, ética e um poder de comunicação e de inteligência acima da média. Controla muito bem as suas emoções e nota-se que se dedicou muito nessa área”, concluiu Miguel Praia, o mais bem-sucedido piloto luso até ao advento do ‘falcão’, 10.º colocado do Mundial de MotoGP de 2020.