A médica, Diana Carvalho Pereira, responsável por denunciar alegados casos de erros e de negligência, no serviço de Cirurgia do Hospital de Faro, escreveu há precisamente cinco anos, em 2018, um texto sobre o 25 de abril no qual dizia ser “refilona, diria até regateira. Alma de sindicalista, alma insatisfeita de quem acima de tudo vê tudo o que há para melhorar e acredita que a mudança é sempre possível. Alma de quem sofre com as injustiças do mundo e acredita num melhor. Antes do 25 de Abril provavelmente estaria presa. Soterrada”.
Cinco anos depois de escrever esse texto, Diana, numa crónica de opinião publicada no jornal NOVO revela que “passaram cinco anos desde o texto emotivo em que me sinto orgulhosa de tudo o que alcançámos com o 25 de Abril. Hoje penso de uma forma menos inocente e mais madura. Hoje encontro-me desanimada porque a liberdade não é assim tão linear e simples como eu acreditava quando tinha 22 anos e ainda um curso por acabar”.
Diana conta como se sente agora na pele de ‘denunciante’: “sou mulher, médica e denunciante. E neste país os denunciantes são chutados para canto, principalmente dentro das classes corporativistas, de que é exemplo a Medicina. Estou suspensa porque depois de denunciar alegadas más práticas, aparentemente nenhum médico do serviço me aceitou formar (mesmo sendo a veracidade disso, no mínimo, duvidosa)”.
A médica prossegue e refere que está suspensa porque ama a “Medicina e os doentes talvez tanto ou mais do que me amo a mim própria. Estou suspensa, privada da minha liberdade de ser interna de cirurgia e de passar os dias no bloco operatório. Estou suspensa e, por ter denunciado e exposto publicamente os motivos da denúncia, ainda me querem acusar de difamação (difamação essa que quando os factos forem provados, cai por terra). Estou suspensa e no entretanto, foram capazes de me roubar liberdade também quando acederam e partilharam ilegalmente os meus dados pessoais e de saúde. Estou suspensa e condicionada. Estou suspensa porque pedi, sim, mas até que ponto não o fazer era seguro para mim e para os meus?”
“Até que ponto teria capacidade para aguentar as represálias enquanto olhava para aquilo que considero criminoso todos os dias? Não sei quanto tempo vai levar a serem provados, ou não, os factos que denunciei. Mas sei que a minha vida mudou a partir do momento em que decidi denunciar. Estou suspensa e não posso ajudar a salvar vidas. Ou não tenho liberdade para fazê-lo no mesmo formato de outrora”, sublinha.
Diana ‘deve’ muito ao 25 de abril “tirei um curso de seis anos com bolsa de estudos e devo-o a Abril. Desde os 18 anos que voto e devo-o a Abril. Desde cedo que contribuo para o associativismo e voluntariado e devo-o a Abril. Desde que me conheço que sempre quis ser igual ou melhor que os rapazes em termos físicos e intelectuais, vestir calças e ter mais coragem que eles. E também devo a Abril ter liberdade para tal. Abril trouxe inúmeras coisas que podemos e devemos agradecer, até porque tenho a certeza que se tivesse denunciado homens há 50 anos provavelmente estaria presa”.
“Mas não nos podemos esquecer do longo percurso que ainda temos que percorrer, contra lobbies, corporativismos e corrupção, até vivermos num país verdadeiramente livre, onde quem quer denunciar seja o que for o pode fazer sem medo do que vem a seguir. Viva à liberdade! (ou ao conceito dúbio que ainda não sei se é bem liberdade, pelo menos no meu caso)”, finaliza.