Trata-se de um caso extremo e polémico. Um cientista chinês anunciou ter alterado o ADN de dois embriões para os tornar resistentes ao VIH. A comunidade científica insurgiu-se contra He Jiankui, o biólogo que conduziu a investigação, considerando a sua experiência “muito perigosa”. Criados numa clínica de fertilização in vitro, os embriões foram sujeitos a uma edição genética para evitar que pudessem ser infetados com um vírus potencialmente hereditário. E assim nasceram há três anos as irmãs gémeas Lulu e Nana.
Hugo Ferreira, professor auxiliar na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa — onde ensina Neurociências e Neuromodelação, Nanotecnologias em Biomedicina, Engenharia de Tecidos e Órgãos Artificiais e Robótica Médica — afirma que hoje é possível através de mecanismos moleculares editar com grande precisão o código genético: “Podemos perceber quais são as suscetibilidades de vir a ter determinadas doenças.” E concluiu: do ponto de vista tecnológico já existe investigação sobre a forma como alterações genéticas podem condicionar a vida das pessoas. “Todas as doenças têm uma componente genética e ambiental, do ponto de vista fisiológico.”
A experiência do biólogo chinês não será o melhor exemplo de inovação em saúde para aumentar a longevidade. Até porque essa possibilidade foi negada pela comunidade científica internacional e por um estudo da Nature Medicine, que apontava exatamente para o oposto: a possibilidade das duas gémeas poderem morrer precocemente, ainda durante a juventude. O próprio Hugo Ferreira mostra-se reticente: “Primeiro precisamos de perceber as bases do envelhecimento e de que forma a tecnologia o pode retardar ou atrasar. Depois, o grande desafio passa por educar as pessoas para a longevidade, sabendo que vão viver mais 30 ou 40 anos.”
Rui Tato Marinho, professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL), recém-nomeado diretor do Programa Nacional para as Hepatites Virais, refere a necessidade de investir na tecnologia. “Há muita inovação no que respeita à tecnologia, e temos de investir nisso, mas isso custa dinheiro.” O médico dá como exemplos de inovação as teleconsultas e a telemedicina, para promover o envelhecimento e a longevidade, mas faltam recursos humanos e tecnológicos. “É necessário reforçar as equipas de apoio domiciliário. O apoio deve ser direcionado para as pessoas, porque se não as tivermos não vale a pena inovar. Precisamos de cuidadores para os mais idosos, população mais ativa, imigrantes, para equilibrar o saldo demográfico.”
Além de compensar o envelhecimento, esta será uma das formas de mudar a saúde em Portugal e tornar a longevidade uma realidade favorável ao país e à própria economia. “O nosso país caracteriza-se por ter menos saúde a partir dos 65 anos. É preciso insistir na atividade física, redução do consumo de substâncias, do álcool — que é muito consumido —, tabaco, e combater a obesidade. Além disso, nestas idades é importante fazer exames periódicos do cólon, cancro do útero e mama, e preservar a saúde mental. Na velhice existe maior risco de depressão.”
Saúde para ricos
Segundo o estudo da Comissão Europeia — Portugal Perfil de Saúde 2021 —, mais de quatro em cada dez adultos sofre de doença crónica. O cancro e as doenças cardiovasculares são as principais causas de morte (ver gráfico). Mas há um dado que ajuda a perceber a prevalência de determinadas morbilidades: a desigualdade no acesso à saúde, sobretudo nas faixas etárias mais velhas. Um fator que se explica, em grande parte, pela disparidade de rendimentos. Cerca de 48% dos adultos portugueses no escalão de rendimentos mais baixo comunicaram sofrer de pelo menos uma doença crónica, em comparação com 35% no escalão mais alto.
Inverter esta tendência deveria, segundo o médico e deputado Ricardo Baptista Leite, ser uma prioridade em Portugal. “A pobreza causa doença, as desigualdades geram pior saúde. Há 40% de doentes que têm alternativa ao Serviço Nacional de Saúde: recorrem ao sistema privado. Perante o aumento inevitável dos custos em Saúde e tecnologia associada ao envelhecimento, se não melhorarmos o modelo, apostando na prevenção, se nada for feito para enfrentar o desafio demográfico da longevidade, a tendência será sempre para o cenário se agravar”, afirma o médico, lembrando que depois dos 65 “muita gente tem dificuldade em comprar medicamentos, fazer exames”. “Corremos o risco de ter pessoas cada vez mais velhas, pobres e sem saúde.”
Questionado sobre a inovação necessária à saúde, Baptista Leite diz que Portugal tem um mecanismo “que pode dar acesso de inovação sem custos”. “Precisamos de trazer ensaios clínicos a Portugal, o que exige uma aposta nos sistemas de informação e na transição digital. Com mais ensaios clínicos não só o Estado ganha como também os doentes.” Para tal serão necessários recursos financeiros para comprar tecnologias. “É necessário diminuir a carga de doença, garantir que as pessoas estão saudáveis, porque isso também nos permite comprar tecnologia.”
“Hoje, quando compramos medicamentos no SNS, essa compra é feita com base em estudos de ensaios clínicos, mas depois não se analisa se os impactos previstos foram concretizados nos doentes. E pagamos isto sem resultados. Tem de haver uma mudança no modelo para premiar os medicamentos e as tecnologias, em vez de manter rendas em tecnologias que não funcionam.”
A dez anos da Europa
Portugal é hoje o quarto país mais envelhecido do mundo. Se o aumento da esperança média de vida é uma boa notícia, será também necessário que a saúde acompanhe a estatística dos últimos anos de vida dos portugueses. Uma das formas de cumprir esse desígnio passa por incentivar a inovação tecnológica. Até porque, tal como disse ao Expresso o ex-ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, o impacto económico e social da transição demográfica “determinará um acréscimo de necessidades do ponto de vista da proteção social e da saúde, tendo como consequência um incremento do volume de recursos necessários”.
“Os portugueses ganharam anos de vida aproximando-se dos padrões de referência dos países mais desenvolvidos. Vivemos mais anos, embora ainda longe dos países que apresentam uma longevidade com um maior número de anos livres de doença. Na comparação com os países do Norte da Europa, essa diferença, em anos livres de doença, supera os 10 anos”, concluiu.
P&R
Como é que a saúde contribui para a longevidade?
De acordo com o documento “Estado da Saúde na UE”, “é possível fazer mais para salvar vidas” em Portugal, através da redução dos fatores de risco das principais causas de morte. A eficácia da saúde é um parâmetro essencial para prolongar a vida, para a longevidade. E há dois fatores a considerar: a mortalidade tratável e a evitável. Quanto à mortalidade tratável, o país apresenta uma média inferior à da UE (83 mortes por 100 mil habitantes).
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Textos originalmente publicados no Expresso de 6 de maio de 2022
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL