Marcelo Rebelo de Sousa mal saboreou a enorme vitória que teve no domingo, quando no meio de uma pandemia, de temores de uma segunda volta e de uma expectável abstenção recorde, conseguiu ser reeleito à primeira volta com 60% (mais 10 pontos percentuais do que há cinco anos), apesar da fuga de eleitores que de todo o lado mas muito da sua área política escolheram castigá-lo votando em André Ventura. Pouco mais de 24h depois, Marcelo escolheu para primeiro ato público do seu segundo mandato surgir ao lado do primeiro-ministro, em “união total” (a expressão é sua) pelo combate à pandemia. E até ao verão vai ser assim — com Ventura ou sem Ventura, o Presidente vai manter-se ao lado do Governo numa espécie de liderança bicéfala, a gerir a catastrófica situação em que o país se encontra.
Logo na terça-feira à noite, com o Hospital Amadora-Sintra a ter que deslocar doentes por falta de oxigénio, Marcelo esteve até altas horas em contacto com a ministra da Saúde. E vai ser assim, pelo menos nos próximos seis meses, com o PR a assumir um papel reforçado no acompanhamento das tomadas de decisão sobre a crise. Cabe-lhe ir decretando o estado de emergência, coisa que o Presidente não exclui, segundo disse ao Expresso, ter que prolongar até ao verão. Cabe-lhe dar cobertura ao atual confinamento apertado do país e as suas previsões apontam para mais dois meses. E agora, reforçado pela reeleição folgada e liberto da dupla pele que teve que vestir nos últimos meses entre Presidente em pandemia e candidato em campanha eleitoral, Marcelo estará mais livre para assumir um também reforçado protagonismo no processo. Sempre na máxima unidade possível com o Executivo, mas atento aos apoios para a crise económica e social, ao cumprimento do processo de vacinação e ao plano para aplicar os fundos que entretanto deverão começar a chegar de Bruxelas. Será o primeiro ciclo do seu desafiante segundo mandato em Belém.
Depois, passado o verão, vêm as autárquicas e sobre elas Marcelo Rebelo de Sousa disse em 2018 o que pensa: que são potenciais pontos de viragem nos ciclos políticos. Desta vez com razões adicionais, perante um PSD que não passa dos 25% nas sondagens e de um CDS que quase desaparece.
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O acordo entre Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos, que entretanto tem a cabeça a prémio no partido, não se sabe o que produzirá em termos de candidaturas. Mas sabe-se que os resultados dos dois partidos, coligados ou cada um por si, nas autárquicas de outubro, condicionarão a agenda do congresso do PSD previsto para o início de 2022. E não é líquido que a liderança de Rui Rio sobreviva.
COM PASSOS OU SEM PASSOS
O regresso de Pedro Passos Coelho voltou a ser tema no partido, o próprio reapareceu recentemente para atacar o Governo e manter a chama viva, nada estará decidido, mas do que vier a acontecer nesta frente dependerá parte do segundo mandato do Presidente reeleito. Com Passos ou com Rio, esta será a fase dos jogos partidários e Marcelo tenderá a não se imiscuir. Apenas fará votos para que, finalmente, fiquem criadas as condições para os eleitores terem duas frentes claramente diferentes para poderem escolher. É isso que ele pede há muito — uma alternativa forte que passará sempre pelo PSD. Seja Rio a protagonizá-la através de coligações, seja Passos a aglutinar votos do CDS, do Chega e do IL, fortalecendo o maior partido da oposição.
Distanciando-se do processo, o Presidente da República tenderá nesta fase a afastar-se dos jogos partidários, sem ceder à ajuda que a esquerda espera dele, mas sem dar qualquer sinal de estar em campanha pela ressurreição da direita. Não lhe faltará agenda alternativa, seja no acompanhamento da situação económica e social, com incursões pelo terreno junto de empresas ou de focos de pobreza. Seja a ajudar a cozer maiorias para aprovar Orçamentos e evitar crises políticas.
Até ao verão, é “união total” com o PM contra a pandemia. Depois, ou vem uma solução de Governo estável, ou Marcelo será pressionado a pôr a mão na massa
Os muitos socialistas que o apoiaram na recandidatura no pressuposto de que contam com ele para ser “idêntico” ao que foi nestes cinco anos não o verão passar para a oposição. Mas Marcelo Rebelo de Sousa admite, numa declaração ao Expresso, que “o Presidente é o mesmo, mas as situações vão mudando”. Da mesma forma que nunca sufragou a tese segundo a qual andou com o Governo socialista ao colo, o Presidente costuma contrapor que fez o que entendeu ser melhor em cada momento e que se em momentos diferentes atuou de forma diferente é isso que tenciona fazer no futuro.
O terceiro ciclo do seu segundo mandato, após as legislativas, é que mais suscita expectativas. Porque ou as eleições de 2023 dão um Governo de esquerda sólido (com Costa, sem Costa?) e Marcelo poderá sempre repetir a frase do seu amigo Guterres — “é a vida!”; ou a direita chega lá de forma consistente e Marcelo terá cumprido o sonho de qualquer Presidente, que é ver a sua família política chegar ao poder. O que o PR menos quererá é uma solução em que nem direita nem esquerda consigam garantir-lhe condições de governabilidade.
“Aí é um problema”, tem reconhecido Marcelo Rebelo de Sousa, sobretudo se o país não tiver superado a crise que ele próprio já admitiu poder prolongar-se até 2023. O coro dos que lhe pedirão governos de iniciativa presidencial ou soluções de Bloco Central (Miguel Sousa Tavares fá-lo hoje, nesta edição do Expresso) tenderá a aumentar. E o Presidente, que sempre foi contra uma coisa e outra e que repetiu na campanha que o desejável é haver dois polos diferentes e os eleitores que escolham, pode ter que parar. Para pensar no que menos deseja.
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