Diariamente, ao meio-dia, a tarefa é dura: contar as camas disponíveis no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (CHULC) para receber doentes covid. São sete os hospitais — São José, Curry Cabral, Alfredo da Costa, D. Estefânia, Santa Marta, Capuchos e São Lázaro —, com um total de quase mil camas, e por isso a conta pareceria simples, mas é a mais complexa que aquelas pessoas têm de fazer. Quantos doentes têm de ser internados, quantos tiveram alta e quantos morreram na véspera… No fim, fica o número mágico, e as camas que sobram são para receber infetados com covid. O Expresso assistiu, de forma inédita, a uma destas reuniões, em que as grandes dúvidas eram como ultrapassar uma diminuição de médicos e enfermeiros que ficarão em casa para cuidar dos filhos e decidir se a nova enfermaria que tem de ser urgentemente aberta iria ocupar o ginásio de reabilitação do Curry Cabral.
À hora marcada estavam no primeiro andar do São José 12 pessoas, desde a presidente do Conselho de Administração, Rosa Valente de Matos, ao diretor clínico, Pedro Soares Branco, a diretora das Urgências, Catarina Pereira, além da diretora da enfermagem e o seu número dois e os responsáveis pela área laboratorial, pelos equipamentos e obras, pelo combate às infeções hospitalares e pela comunicação. À distância do ecrã, o diretor do Serviço de Infecciologia, Fernando Maltez, dos Cuidados Intensivos, Luís Bento, e ainda António Panarra, de Medicina Interna, Fernando Nolasco, da Transplantação, e representantes dos enfermeiros. Foi explicado como ponto prévio que, àquela hora, o CHULC tinha 267 doentes covid em enfermaria, mais 47, dos quais uma criança, em Cuidados Intensivos. Ou seja, 314 infetados, num centro hospitalar que tinha 300 camas como limite máximo no plano de contingência para a pandemia.
“A cirurgia está na franja. Se aparecer algum doente infetado, temos de decidir onde o colocar. Estamos a ficar para lá das nossas capacidades”, diz Soares Branco
“Temos três hospitais na linha da frente, a Maternidade Alfredo da Costa, o Dona Estefânia, para a Pediatria, e o Curry Cabral, com a maior enfermaria de Infecciologia do país. Estamos aqui para salvar vidas de doentes covid e não-covid, e há áreas em que não posso tocar, como a maternidade ou os transplantes”, defende Rosa Valente de Matos, para explicar porque é que também ainda resguarda, como se fossem “joias da coroa”, as 18 camas de Oncologia e as 17 de Transplantação. “O pior cenário já chegou e estamos a ser confrontados com a finitude dos recursos humanos, que são a minha maior preocupação”, assume. Até agora, o hospital foi transformando todos os cantos que podia em espaços covid. Na próxima semana, pela primeira vez, vai abrir 18 camas especificamente para este fim. Falta decidir onde — e este era um dos pontos centrais da reunião.
CORTAR A EITO
Como se o hospital fosse um corpo infetado, as especialidades foram sendo ocupadas por doentes covid. Depois de terem usado toda a Infecciologia, ocuparam a Medicina Interna, a Ortopedia, os blocos cirúrgicos, as zonas de recobro. A dúvida agora é se entram pelo ginásio adentro. Ou seja, se transformam o espaço de reabilitação do Curry Cabral em mais uma enfermaria covid, como se fosse um hospital de campanha dentro do centro hospitalar. Antes, um a um, cada responsável apresenta os seus números. “Continuamos a ter mais entradas do que altas”, alerta a presidente do Conselho de Administração. O ambiente é tenso e a atenção aumenta quando chega o momento dos Cuidados Intensivos: “Tivemos nove admissões ontem, mais do que a média, e de madrugada mais quatro e duas altas. Temos quatro vagas.”
A partir dali é fazer as contas: há ainda cinco camas prometidas pela Cardiologia e a “questão de Santa Marta”, que prevê a utilização dos Cuidados Intensivos daquele hospital para doentes não-covid. Mesmo quando há altas, a solução não é simples — há 20 doentes que podem sair, mas, antes, o hospital tem de perceber para onde vão, e Rosa Valente de Matos já perguntou à Administração Regional de Saúde se foram encontradas unidades de cuidados continuados que os recebam.
“Se houver uma avalanche, temos de acionar o plano de catástrofe das Urgências e manter lá os doentes com alguma dignidade”, avisa Rosa Valente de Matos
O diretor clínico, Pedro Soares Branco, resume o drama: “A cirurgia está na franja. Se aparecer algum doente infetado, temos de decidir onde o colocar. Estamos a ficar para lá das nossas capacidades.” E, como se fosse possível, a situação ainda piora. “Temos também de pensar nos médicos e enfermeiros que ficarão em casa para cuidar das crianças, com o encerramento das escolas. Deverão ser cerca de 30% no CHULC. Vai ser complicado e temos de nos preparar, porque até segunda-feira os casos vão disparar. Temos de nos aguentar até lá”, alerta Fernando Nolasco.
A discussão vira-se para a necessidade urgente de abrir mais oito camas e para a ocupação de outras enfermarias, mas Soares Branco deixa um aviso: “Os doentes oncológicos são muito difíceis de transferir. Isso se conseguirmos sobreviver até segunda-feira…” A diretora das Urgências corta a eito: “Confesso que estou muito preocupada com o que vai acontecer até segunda-feira. Nas últimas 24 horas internei 20 doentes. Se continuar assim, em três dias serão 60. Não sei o que vai acontecer.” Rosa Valente de Matos tenta reerguer os ânimos: “Temos oito camas e na segunda-feira tentaremos ter mais 18 na nova enfermaria. Mas se houver uma avalanche, temos de acionar o plano de catástrofe das Urgências e manter lá os doentes durante o fim de semana, com alguma dignidade, até os podermos transportar.”
Fotos Expresso D.R.
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