Esta é a “semana negra” dos Cuidados Intensivos. Quem o diz é o diretor das unidades de Medicina Intensiva do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC), por onde passam os doentes mais graves da pandemia, avança o Expresso.
Este período de pressão extrema irá prolongar-se, na opinião de Luís Bento, até meio da próxima semana, a partir de quando a ocupação das camas começará a refletir o desaceleramento do nível de contágio entre a população. E no fim de janeiro, o médico prevê que haja novo recrudescimento dos internamentos de doentes críticos, fruto das festividades do fim de ano. Mas independentemente das vagas e da oscilações na lotação, há um padrão que se mantém inalterado e que salta à vista: a presença sempre constante de doentes obesos entre os casos mais graves.
Nos principais hospitais do país, a maioria dos doentes com covid-19 internados em unidades de cuidados intensivos tem excesso de peso. No Santa Maria (Lisboa) os obesos constituem cerca de 50% dos casos críticos, enquanto que no São João (Porto) chegam aos 60% e no São Francisco Xavier (Lisboa) atingem mesmo os 80%.
“Estes doentes têm pior prognóstico porque existem doenças prévias associadas. As pessoas esquecem-se que a obesidade é, por si só, uma doença”, alerta Luís Bento, diretor de Medicina Intensiva no CHULC. Um sistema imunitário mais frágil, a existência de disfunções metabólicas associadas muitas vezes à diabetes e a hipertensão, mais prevalente entre os obesos, são as causas que agravam o prognóstico. E o tratamento também está dificultado: estes doentes são mais difíceis de ventilar e de serem posicionados em decúbito ventral (de barriga para baixo).
No Hospital de São José — um dos cinco que integram o CHULC, juntamente com o Curry Cabral, Capuchos, Dona Estefânia, Maternidade Alfredo da Costa e Santa Marta — cerca de 80% dos doentes com excesso de peso internados em cuidados intensivos tiveram de ser ventilados mecanicamente e submetidos ao ECMO, o equipamento que substitui o funcionamento dos pulmões e do coração, aplicado apenas aos casos mais críticos; 16,3% acabaram por morrer.
Apesar de a idade média ser de 62,3 anos, chegou a ser internado nos Cuidados Intensivos do São José um jovem obeso de 18. No caso mais grave, o paciente pesava 160 quilos.
Nos Estados Unidos, onde morreram mais de 271 mil pessoas durante a pandemia e onde a obesidade atinge 43% da população, já foram publicados vários estudos que concluem que o risco de morte por covid-19 aumenta à medida que sobe o índice de massa corporal (IMC, indicador que se calcula dividindo o peso pela altura).
Perante estes números, e com a habitual ausência de obesos entre os participantes em ensaios clínicos de novos medicamentos ou terapêuticas, a eficácia dos fármacos e vacinas para a covid-19, atualmente em desenvolvimento, já está a ser questionada nas pessoas com peso muito elevado. Ainda assim, no Reino Unido, onde um em cada oito adultos é considerado obeso mórbido (com IMC superior a 40), as autoridades equacionam a hipótese de ser dada prioridade na vacinação às pessoas com excesso de peso. Em Portugal, o plano de vacinação não o prevê (ver página 8).
MAIS TARDE, MAIS GRAVES
Das 30 camas de cuidados intensivos existentes no Centro Hospitalar de Lisboa Central, apenas uma está vaga. Independentemente da agravante do peso dos infetados, cedo se percebeu no CHULC que esta onda pandémica era diferente da registada em março. “Os doentes com covid estão a chegar mais tarde ao hospital e apenas depois de serem referenciados pela linha SNS 24. Entram sobretudo pelas Urgências e muitos vão diretos para os Cuidados Intensivos”, explica Luís Bento. Têm uma idade média superior (64,5 anos), uma patologia mais grave e ficam internados mais tempo.
Os médicos já perceberam que “ter esta doença aos 80 anos implicará sequelas para o resto da vida”. É por isso que o diretor de Medicina Intensiva do CHULC diz que, não sendo a idade critério de seleção para cuidados intensivos, esta, somada à autonomia, à capacidade de resistência e à existência de patologias de base, como a obesidade, determina a aceitação no serviço. “Temos de alocar os recursos às pessoas que podemos efetivamente ajudar, caso contrário, é futilidade terapêutica”, noticia o Expresso.
Qual o efeito da gordura nos pacientes obesos com covid-19
Vídeo esclarecedor da BBC News com as primeiras observações relacionadas ao perfil dos infectados pelo novo coronavírus. Elas sinalizam que a obesidade pode ser um fator de risco para o agravamento da doença causada por ele, a covid-19.
INTERNADOS COVID MORREM COM BACTÉRIAS HOSPITALARES
Doentes mais idosos, com patologias prévias, que necessitam de internamentos mais prolongados e que, por isso, estão sujeitos a um maior risco de infeção hospitalar, caracterizam a atual fase da pandemia nos hospitais portugueses.
“Já ficou claro que os pulmões destes doentes ficam estruturalmente afetados pela covid, por isso, quando a doença se intensifica, a partir do sétimo dia, se estas pessoas contraem infeções por bactérias hospitalares, a capacidade de resistência é muito baixa.
Alguns acabam por morrer e tem-se notado um aumento destas situações”, explica Luís Bento, diretor dos Cuidados Intensivos do CHLC.
A administração de corticoides aos doentes covid, como forma de combater a evolução da doença, é outra explicação: “Deprimem a imunidade e muitos acabam por não resistir por já terem os pulmões debilitados.”
Outro problema grave que se tem evidenciado são as consequências da covid-19 no sistema nervoso central.
Delírios mais intensos e prolongados do que os que afetam outros doentes em cuidados intensivos, predisposição para a ocorrência de AVC, encefalites, alterações de memória, dos padrões de sono e até o aparecimento de demências em pessoas que não manifestavam sinais prévios já se verificaram entre os doentes em Portugal.