A CBR Genomics quer ajudar a salvar vidas e lembra que uma em cada seis pessoas possui, no seu ADN, uma alteração genética responsável pelo desenvolvimento de doenças, diz a administradora executiva da “startup” de saúde digital.
“O que nos adianta estar a explorar Marte se continuamos a ter pessoas com 30 anos a morrer com cancro da mama? Esta é a nossa urgência”, disse Lusa Ana Catarina Gomes.
Desde meados de 2020 a presidir à “startup” localizada em Cantanhede, distrito de Coimbra – fundada em 2011 por Carlos Faro, diretor do parque de biotecnologia Biocant, e Gonçalo Quadros, da Critical Software –, Ana Catarina Gomes lembra que a tecnologia da CBR, já disponível no mercado, foi submetida, em 2019, a uma prova de conceito, no Serviço de Genética do Hospital Pediátrico de Coimbra.
“Começámos com 55 crianças que estavam no sistema há muitos anos há procura de diagnóstico, tinham claramente doença, problemas de défice intelectual, perturbações moderadas a severas do desenvolvimento, já tinham feito uma série de exames e análises, e o diagnóstico, nomeadamente o diagnóstico molecular – que é tentar perceber qual o mecanismo molecular que falhou ou está alterado – nunca tinha sido encontrado”, frisa.
A CBR Genomics aplicou então a genética “em última opção” a quem já tinha tentado “tudo e mais alguma coisa”, tendo ainda incluído no projeto outras sete crianças, as quais, “à primeira manifestação de sintomas, foram logo incluídas”, e os respetivos pais, ao contrário dos restantes, “não souberam o que era a angústia de andar de exame em exame e anos à procura de diagnóstico”, notou.
“Destas 62 crianças, conseguimos dar resultados a 28, uma taxa de diagnóstico brutal [45%], especialmente se considerarmos que já estavam no sistema há muitos anos, sem resposta”, destaca Ana Catarina Gomes.
Embora enfatizando que a genética “não pode prometer dar resposta a tudo”, a administradora da empresa localizada no Biocant Park observou que a tecnologia e as metodologias da CBR Genomics “permitem descobrir aquilo que ainda não está descrito”.
“Em 22 das 28 crianças nunca tinha sido descrita aquela alteração, uma mutação no ADN responsável por causar a doença”, adianta.
TRABALHAR “EM QUALQUER COISA DE ÚTIL”
Acompanhada por outros dois “empreendedores de cabelos brancos” (o diretor de operações e a diretora de genética), todos cientistas “com mais de 40 anos”, no núcleo central da CBR Genomics onde trabalham, no total, oito pessoas.
“São tudo pessoas que chegaram aos 40 anos e começaram a ter aquela urgência de que aquilo que estão a fazer verta em qualquer coisa de útil”, afiança, referindo-se aos diretores.
“Temos muito presente esta vontade de trazer o futuro hoje, fazer o futuro acontecer e entregá-lo às pessoas”, observa.
“80% DA GENÉTICA É CINZENTA”
Ana Catarina Gomes costuma afirmar que a genética “vai do branco ao preto com todos os tons de cinzento”.
“Até dou de barato que 80% da genética é cinzenta, o Alzheimer é cinzentíssimo, o Parkinson são muitos genes, ainda há tanta coisa na investigação que é preciso saber, perceber quais são os mecanismos moleculares por detrás da doença, Coimbra tem grupos inteiros a trabalhar nisso, cada um na sua área, ainda há tanto para descobrir. Mas há na genética uma pequena porção que é preta e branca: se [a pessoa] tem a mutação, vai causar doença”, sublinha.
“FALHANÇO DA MEDICINA MODERNA”
Entre situações conhecidas de mutações genéticas que causam doenças estão alguns tipos de cancro ou casos de morte súbita em desportistas, estas nomeadamente relacionadas com um conjunto de 60 genes cujas alterações podem resultar em morte precoce.
“Isto é uma generalização um bocadinho provocadora, mas tem o seu fundo de verdade: hoje, uma pessoa com menos de 40 anos que morra de morte natural, de doença, é o falhanço da medicina moderna”, argumentou Ana Catarina Gomes.
Lembrando que estas mutações já se conhecem “desde há 15 anos”, a administradora da CBR Genomics frisa que, passado este tempo, “mudou não só a genética, mas também a tecnologia e a evolução médica”.
O CASO DE ERIKSEN
Ana Catarina Gomes lembra o caso do jogador de futebol dinamarquês Christian Eriksen – desfaleceu durante um jogo do Euro2020 –, que “tem uma alteração genética”.
“Assumiu que a tem, teve uma sorte descomunal [ao sobreviver] e implantou um desfibrilhador intra-auricular. Neste momento, pessoas que têm estas mutações, sabendo que as têm, fazem uma pequena intervenção [cirúrgica], que já não é nada do outro mundo, tem poucos riscos, e, depois, com a evolução dos dispositivos médicos, já não têm de condicionar a sua vida”, explica.