O Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto, que em 2019 foi pioneiro em Portugal ao introduzir no tratamento do cancro do sangue uma terapêutica assente na modificação genética de células, atingiu com esta técnica o doente 50.
O “marco”, como referiu à agência Lusa o responsável do serviço de Hematologia e Transplantação de Medula Óssea, José Mário Mariz, foi atingido na semana passada e em causa está a utilização de uma terapêutica com células CAR-T, ou seja células de defesa do doente que são geneticamente modificadas em laboratório para se tornarem mais fortes.
“É considerada uma terapêutica inovadora porque implica uma manipulação genética das células do próprio paciente. Sabemos que os linfócitos T combatem os tumores, mas às vezes os tumores conseguem ser mais fortes e os doentes morrem. O que esta terapêutica faz é transformar o linfócito T, dando-lhe mais força”, descreveu o clínico.
Esta é uma estratégia que está aprovada como terceira linha de tratamento.
São tratados com esta terapêutica tumores hematológicos (cancro do sangue) como leucemias e linfomas.
Salvaguardando que “infelizmente nem todos os doentes respondem aos tratamentos”, José Mário Mariz disse que os resultados conseguidos pelo IPO do Porto nesta meia centena de dentes “são equiparados ao que está descrito e ao que outros centros no estrangeiro conseguiram fazer”.
“Ao fim de dois anos, 40% dos doentes têm a doença controlada. Apesar disso esta tecnologia ainda falha em 60% dos casos. Daí ser muito importante identificar o melhor possível que doentes é que beneficiam para não estarmos a fazer tratamentos muito dispendiosos e que serão fúteis em alguns doentes”, referiu.
Os tratamentos com células CAR-T podem chegar aos 350 mil euros por doente.
“Autênticas revoluções no tratamento da doença oncológica”
A propósito do financiamento desta terapêutica que se acredita que evolua no futuro para o tratamento de outras doenças, o presidente do IPO do Porto, Júlio Oliveira, referiu que com os atuais custos, “a massificação é insustentável”, mas frisou também: “Não há doentes que não estejam a fazer o tratamento se tiverem indicação para tal”.
“Têm havido autênticas revoluções no tratamento da doença oncológica nos últimos anos e este é um bom exemplo (…). A questão que se põe é que esta revolução está associada a custos muito elevados. Esta tecnologia ilustra bem o problema que é o custo elevado e o risco da sustentabilidade a prazo, mas não é exclusivo das CAR-T e certo é que o subfinanciamento para o tratamento oncológico, não se traduz em falta de acesso ao tratamento oncológico, ainda que financiamento signifique planeamento e isso que está também em causa”, analisou o presidente do IPO do Porto em declarações à Lusa.
A perspetiva dos dois responsáveis é de que tratamento com células CAR-T evolua porque poderá ser usado mais precocemente e em mais doenças, sendo convicção do diretor de hematologia que o maior impacto acontecerá nos casos de mieloma múltiplo, uma doença que outras terapêuticas não curam.
Indo ao encontro desta ideia, o IPO do Porto tem já em curso um ensaio clínico para mieloma múltiplo em primeira linha, no qual já participaram quatro doentes. A estimativa inicial apontava para cinco doentes em ensaio, mas duplicada já a capacidade do hospital neste projeto, Mário Mariz acredita que chegará a 10.
A ideia é testar se o tratamento com células CAR-T é melhor do que o tratamento convencional que existe hoje em dia.
Trata-se de um ensaio mundial que exigem que os doentes sejam seguidos durante algum tempo, razão pela qual não são esperados resultados em menos de três anos.