“Ventura vai em frente”, grita ao microfone Manuel Matias, atual assessor parlamentar do Chega e que esta quarta-feira está responsável por entusiasmar os apoiantes do partido que esperam pela chegada de André Ventura à Avenida da República, em Vila Real de Santo António. Quando as cerca de duas dezenas de pessoas reagem às palavras de ordem de forma tímida, Matias é perentório: “Vá, isso tem de estar bem afinadinho.”
E depois, experimenta o humor. “Os deputados [do Chega] eleitos pelo Algarve vão pôr o Parlamento a dançar o corridinho”, brinca, até porque “o Ferro Rodrigues já foi para a reforma”.
Mesmo assim as reações são parcas e já não há muito mais tempo para ensaios gerais: Ventura chega pouco depois, com cerca de 40 minutos de atraso, e a recepção ao líder é tímida – mas sentida. “Não posso falar muito, estou um bocado rouco”, diz o candidato aos jornalistas, mal sai do carro.
A primeira paragem da última arruada do partido no Algarve, em contagem decrescente para as legislativas deste domingo, é no Café Cabo Verde, onde a visita do deputado é motivo de conversa entre donos e clientes há várias horas. “Vai uma bica?”, e Ventura aceita a oferta, entra no café, começa uma interação em amena cavaqueira com os populares.
“Andrézinho, Andrézinho, Andrézinho”, entoa uma apoiante a poucos centímetros do líder. “Andrézinho é melhor não”, comenta o candidato, mas a senhora discorda: ainda ensaia a versão “Ventura, Ventura, Ventura”, mas poucos momentos depois volta ao diminutivo carinhoso.
À saída do café, Ventura cumprimenta um cidadão e pede emprestada a sua bicicleta. “O pai dele tinha uma loja de bicicletas, ele é maluco por elas”, recorda ao Expresso Ricardo Regalla, membro da direção nacional do Chega.
A paragem seguinte é uma pequena loja de produtos de praia: entre as toalhas coloridas, o comerciante queixa-se ao político do impacto da pandemia no negócio. Ventura aproveita e fala nas constantes alterações de regras decretadas pelo Governo nos últimos dois anos. “Estamos ao vosso lado, estamos a contar fazer por vocês”, promete o candidato. “Esperemos que sim”, responde o homem.
Segue-se uma paragem na caminhada para uma selfie de grupo – “O Algarve é nosso” – e um comentário satisfeito de Ventura. “Somos o partido em Portugal com mais seguidores nas redes sociais”, diz o candidato em direção de Rita Matias, membro da direção nacional, candidata a deputada por Lisboa, filha de Manuel Matias, e responsável por filmar os vários momentos da campanha para as redes sociais.
A afirmação de Ventura não corresponde à verdade: às 18h11 desta quarta-feira, a página do Chega no Facebook tinha 128 mil gostos, enquanto que a do PSD tinha 159 mil. No Twitter, o Chega tem apenas 24,2 mil seguidores, enquanto que o partido liderado por Rui Rui conta com 58,1 mil.
Alguns metros mais à frente, enquanto que um comerciante fecha a porta da loja para não ter de cumprimentar Ventura, outro é expressivo no seu apoio. “Eu estou consigo! Você diz as verdades”, vai afirmando à medida que se aproxima do candidato para o cumprimentar.
Lá em cima, o céu vai ficando cada vez mais cinzento. “Está a ficar de chuva”, comenta o Expresso com o candidato. “Pois está, é um sinal”, responde um sorridente Ventura, mas não foi possível perceber que sinal é esse.
Corrupção e gastos políticos
Mas não chove e a população de Vila Real de Santo António está na sua maioria recetiva ao líder: há cumprimentos, algumas palavras de encorajamento, uma sensação latente de que estas pessoas estão há demasiado tempo para serem ouvidas e representadas. Porém, também se vê o contrário: um homem recusa o cumprimento de Ventura com um aceno de cabeça suave, duas adolescentes fazem marcha-atrás na avenida para fugir à mancha do Chega. “Que vergonha, que vergonha”, dizem ao afastar-se.
A arruada termina poucos minutos depois numa Praça Marquês de Pombal praticamente deserta. No palco, Ventura começa por pedir desculpa por estar rouco e fala do “sentimento incrivelmente positivo” que tem Algarve. “Vocês deixam-me com a sensação de que vou ter maioria absoluta no dia 30”, garantiu, e a primeira reação dos cerca de 30 apoiantes que o ouviam foi rirem-se.
Depois, tocou no ferida: lembrou que a autarca de Vila Real de Santo António, a social-democrata Conceição Cabrita, foi presa à porta de casa em abril do ano passado por suspeitas de corrupção, em “conluio” com o deputado socialista António Gameiro. “A corrupção em Portugal é mesmo para acabar”, sentenciou.
Daí, fez facilmente a ponte para uma “pedra firme da campanha eleitoral”. “Temos maus políticos em geral, a viver à custa de esquemas manhosos e dos portugueses. [São] políticos a mais de que não precisamos”, disse, referindo-se aos “milhares de vereadores e deputados municipais e de freguesia” que todos os anos custam “milhões em gastos políticos.”
Nesse sentido, voltou à carga com uma proposta já conhecida: “Reduzir em metade o número de cargos políticos em Portugal” durante os próximos quatro anos, o que nas contas de Ventura iria significar uma poupança de 100 milhões de euros. Não foi possível indagar o candidato sobre que contas fez para chegar a este valor. “Só para terem ideia, o [novo] Hospital de Ovar custou 8 milhões de euros”, comparou o candidato. “Eu prefiro mais saúde e menos políticos”, acrescentou.
Os apoiantes aplaudiram, o hino nacional fez-se ouvir, Ventura despediu-se com as habituais selfies. E, depois do seu carro sair, cerca de 45 minutos depois de ter chegado, a praça continuou vazia.
O Chega seguiu depois para Beja, onde está marcado um jantar comício esta quarta-feira.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL