PS: segurar 1,9 milhões de votos
O melhor resultado dos socialistas será inatingível: foram 2.589.900 de votos, na célebre maioria de José Sócrates em 2005 (embora Guterres tenha ficado muito perto na sua reeleição em 1999, com 2.578.823).
Estando longe de uma maioria, de acordo com as sondagens, António Costa terá de superar os 1.908.036 votos conseguidos há dois anos, que acabaram por não ser muito mais do que os 1.747.685 que obteve em 2015, quando foi segundo nas eleições contra Passos Coelho (e este foi apenas o 9.º melhor resultado do PS em legislativas até hoje).
Na verdade, o PS perdeu eleições sempre que ficou abaixo de 1,8 milhões de votos. E só por uma vez ganhou eleições abaixo dos 36,6% do total de votos de 2019 – foi em 1983, precisamente quando Soares teve de fazer um Bloco Central formal com o PSD (teve 36,4%). É um alerta para Costa: perder 100 mil eleitores pode ser suficiente para uma derrota. Mas também pode ser um sinal: bloco central à vista?
PSD: recuperar pelo menos 350 mil votos
Todas as sondagens indicam que Rui Rio vai melhorar o (mau) resultado que obteve em 2019: foram, nesse outubro, apenas 1.457.704 votos (27,8%), perdendo mais de 600 mil eleitores face ao resultado de Passos em 2015 (2.074.975), embora nesse ano o PSD tenha ido coligado com o CDS. Para ter uma medida do pouco que Rio fez, o PSD só por duas vezes tinha tido menos votos: em 1975, na constituinte (26,4%), e em 1976, logo a seguir ao PREC (24,3%). Até Santana conseguiu mais votos quando o PS teve maioria (28,8%).
Agora, para ganhar a Costa, o PSD precisa de superar esse registo de há dois anos – e não pode ser subir “poucochinho”. É que o PSD ficou a 450.332 votos dos socialistas.
Mais: só numa ocasião o PSD conseguiu ser o partido mais votado com menos do que 1,8 milhões de votos (mais 343 mil do que teve Rio): foi na primeira vitória de Cavaco Silva, em 1985, quando o partido fez um governo minoritário somando 1.730.481 votos, com 28,8%. Mas nesse ano havia PRD, o partido que nasceu sob o patrocínio tácito do então Presidente da República Ramalho Eanes. E é tão incerto que consiga repetir a proeza agora que, em 1999, Durão Barroso conseguiu até mais votos (1.748.422, 32,3%), mas Guterres quase conseguiu uma maioria. O registo histórico dos sociais-democratas até aponta mais para cima: à exceção de Cavaco, nunca formou governo com menos de 2,1 milhões de votos contados. Nem os 34,1% de Nogueira lhe valeram uma vitória (2.013.325 de votos).
É verdade: hoje há mais partidos à esquerda a disputar votos ao PS – mas também há três partidos a disputar votos à direita do PSD.
Empate técnico? Será mais empate do que em 2002?
Na história das legislativas são raros os momentos em que os dois maiores partidos se aproximam muito nos resultados finais. O ano em que ficaram mais perto foi em 2002, depois da demissão de António Guterres, quando o PSD de Durão Barroso teve apenas mais 131.449 votos do que o PS de Ferro Rodrigues – apenas 2,4 pontos percentuais.
Mas o curioso é que as quatro eleições com votos mais aproximados entre os dois partidos aconteceram precisamente nas últimas duas décadas: o segundo resultado mais aproximado foi na disputa entre Passos e Costa em 2015 (327.290 votos de diferença), seguido da vitória de Passos em 2011 (422.918) e, em quarto lugar, os 450.332 que distanciaram Costa de Rio (2019).
Bloco central: recuperará de um dos piores resultados de sempre?
É frequente ouvirmos Rui Rio ou António Costa frisarem que os dois partidos ao centro representam quase 80% dos deputados eleitos, mas a verdade é que raramente a soma dos votos do PS e PSD foi tão baixa como aconteceu nas últimas legislativas: somados, os dois maiores partidos tiveram 3.365.740 de votos – 64,1% do total. Mais baixo só mesmo em três eleições: 1976, as primeiras a seguir à Constituinte, quando também proliferavam as listas de partidos candidatos (3.247.480 – 59,2%); em 1983, precisamente antecedendo o único governo de Bloco Central que o país conheceu (2.934.557 votos – 63,3%); e em 1985, depois desse Bloco Central e com o efeito do então novo PRD, em que os dois só conseguiram 2.760.694 votos, 50,6% do total. Talvez assim se explique o trauma do Bloco Central (marcado por uma assistência financeira e crise social) para os dois.
A partir de 1987, a força dos dois partidos subiu a fasquia dos 4 milhões de votos. Foi assim, sucessivamente acima dos 70% do total de votos, até que voltou a baixar em 2009, para pouco mais de 3,7 milhões de votos e apenas 65,7%. Assim ficou, com ligeiras evoluções, até à quebra de 2019, com 64,1%.
Ao que dizem as sondagens, esse peso voltará a subir agora. Mas a pressão dos vários partidos com representação parlamentar, seja à esquerda ou à direita, pressiona os dois grandes.
Esquerda teve nove maiorias, a direita teve seis (mas duas à cunha)
Feitas as contas ao número de deputados eleitos pelas bancadas à esquerda e à direita, contamos vantagem para os primeiros: nove maiorias de esquerda e seis de direita desde as constituintes. A que se junta uma curiosidade: foi precisamente em 2019 que as bancadas da esquerda do hemiciclo conseguiram maior percentagem de eleitos, 62,6% (um número superior até aos 62,5% dos deputados que obteve em 2005, na única maioria do PS).
Já à direita, claro, só os tempos das maiorias de Cavaco a aproximaram de tanta hegemonia parlamentar: 60,8% e 61,3% dos representantes no hemiciclo.
Mas atenção: se acredita que só em 2015 se deu o caso do partido mais votado não representar uma maioria política na AR, há uma outra excepção. Em 1985 o Parlamento era maioritariamente de esquerda e o partido mais votado foi o PSD. Cavaco, como se lembra, fez passar o seu programa – e o seu Governo minoritário só caiu dois anos depois, para conquistar uma maioria. O que é verdade é que o inverso nunca aconteceu. Ou seja, o PS nunca foi o mais votado havendo maioria de direita no Parlamento.
Já agora, anote isto também: os anos em que esquerda e direita mais se aproximaram foram 1979 (seis deputados de diferença) e 2002 (oito de diferença). Sempre com maiorias de direita.
BE: evitar a pior queda de sempre, de 269 mil votos
O Bloco de Esquerda vai para as suas oitavas eleições legislativas, antevendo que terá uma nova queda eleitoral, penalizado pelo chumbo do Orçamento.
O ponto de partida é alto: em 2019, a meio da geringonça, o partido de Catarina Martins resistiu bem aos ataques sucessivos em campanha do PS e conseguiu 500.017 votos, 9,5%. Foi, mesmo assim, uma quebra face a 2015 de 50.875 eleitores, a única vez que atingiu os dois dígitos: 10,2%.
Mas o pesadelo do Bloco é o que aconteceu em 2011, precisamente depois de ter votado contra o PEC 4 de Sócrates no Parlamento, ajudando também a fazer cair um governo de esquerda – aí o Bloco partia do seu melhor resultado de sempre, 558.062, e ficou com apenas 288.973 votos (6,3%). Ou seja, perdeu 269.089 votos, passando de 16 para 8 deputados. Quer em votos, quer em deputados, foi o pior registo da história de um BE na sua maioridade.
Mas claro que os primeiros anos tinham resultados abaixo disso: 132 mil na primeira eleição em 1999, 153 mil em 2002, sempre com três deputados eleitos, abaixo dos 3%.
CDU: 332 mil votos e seis distritos
Jerónimo de Sousa tem um difícil ponto de partida. Há dois anos a CDU voltou a perder eleitores, depois de quatro legislativas consecutivas a rondar os 440 mil votos, perdeu mais de 100 mil e ficou-se pelos 332.473 (6,3%). Foi o pior resultado de sempre dos comunistas, pior mesmo do que os já muito baixos 379.934 de 2002 (6,9%) – o ano em que PSD e PS disputaram mais os votos, bipolarizando totalmente a campanha.
Dito isto, estes 332.473 votos são o novo ponto de partida para a noite eleitoral. E o objetivo dos comunistas será resistir a uma nova quebra, que tem acontecido sucessivamente em eleições presidenciais, europeias e autárquicas.
Em análise fina, anote também isto: a CDU tem 12 deputados, sendo estes eleitos por Lisboa (4), Setúbal (3), Porto (2), Beja, Évora e Santarém (1). Alguns, como é o caso de Évora, eleitos por pouco.
PAN: há dois anos cresceu 99 mil votos. E agora?
De três eleições apenas se faz a história do PAN em legislativas. O partido apareceu em 2011 no boletim de voto – e não ficou longe de conseguir estrear-se no Parlamento, com 57.849 votos (apenas atrás do PCTP-MRPP entre os não eleitos). Em 2015 subiu pouco, mas o suficiente para eleger um deputado, com 75.140 votos no total. Em 2019 subiu quase 100 mil votos – para 174.511 votos – elegendo quatro. A sequência em percentagem de votos é 1%, 1,4% e 3,3%.
Agora, o PAN parece mais frágil nas sondagens. E para segurar deputados terá de olhar para três números mais finos: os votos em Lisboa (teve 48.536 há dois anos, elegendo dois deputados), os do Porto (32.328, uma deputada) e Setúbal (17.529, uma deputada – que depois virou independente). Uma vitória ou derrota pode passar por estes três círculos, ou por uma eleição-surpresa num outro. Olhando para 2019, Braga é o mais bem posicionado, mas terá de ter mais do que os 11.934 votos de então.
Livre: manter 22.807 votos em Lisboa
No campeonato dos pequenos, o Livre de Rui Tavares só foi às duas últimas duas eleições. E só na última, com 57.172 votos (1,1% do total), conseguiu eleger – em Lisboa, onde teve 22.807 votos. Para manter o lugar que entretanto perdeu (lembrar-se-à do processo Joacine Katar-Moreira), Tavares precisa pelo menos de um resultado semelhante no distrito da capital (e mesmo assim depende dos resultados dos outros partidos). Para eleger no Porto, outra ambição do partido, terá de superar bastante os 8.952 votos de há dois anos.
CDS: fasquia baixa de 221 mil. Baixa?
Francisco Rodrigues dos Santos terá uma noite difícil: pela primeira vez o CDS tem dois partidos concorrentes à direita, para além do PSD, pressionando os seus resultados. Estará, também por isso (mas não só) completamente arredada qualquer hipótese de o CDS se aproximar dos seus melhores resultados, sejam os 874.217 votos de 1976 (15,9%), sejam até os 653.987 votos com que Portas estabeleceu o recorde do CDS-PP, na sua era mais atual (11,9%).
A única vantagem comparativa para o atual líder do partido é que a última ida a votos acabou por ser o pior registo de sempre do partido: apenas 221.774 eleitores, 4,2%, abaixo mesmo dos 251.443 aquando da primeira maioria de Cavaco Silva (em 1987) – 4,4% à época.
Há dois anos, os seus votos estiveram muito concentrados em Lisboa (48.502), Porto (31.181), Aveiro (20.045) e Braga (19.127), onde conseguiu os seus cinco deputados – dois foram em Lisboa. Se o melhor possível para o CDS de Chicão é manter, serão estes os distritos decisivos. Abaixo disso será um novo histórico negativo. Recorde-se do limite mínimo: em 2019, a IL e o Chega tiveram 1,29%, com cerca de 67 mil votos e um deputado cada.
IL: conquistar mais 154 mil votos?
Em 2019 a iniciativa Liberal estreou-se em eleições com 1,29% dos votos, precisamente 67.681. Foram mais de 10 mil acima no todo nacional do que o Livre, menos 180 votos do que o Chega obteve nessa eleição. O seu deputado eleito, ainda assim, ficou ligeiramente abaixo de Joacine (22.053 em Lisboa). Agora, a IL ambiciona muito mais: quer atingir pelo menos os 5 deputados, número igual ao que tem nesta altura o CDS (com 4,2% do total). Não é impossível, mas a dimensão do crescimento mínimo para lá chegar é conseguir os 221.774 dos centristas em 2019 – mais 154.093, portanto.
Menos mau já seria manter o número de votos de Tiago Mayan nas presidenciais de janeiro do ano passado: foram 134.484 votos (mais 66.803 do que teve nas legislativas). Nessa altura Mayan teve 3,22% – o que é possível de repetir, de acordo com as sondagens.
Claro que estas são contas redondas – será mesmo círculo a círculo, sobretudo em alguns mais urbanos, que a IL disputará o seu objetivo: Lisboa, Porto, Aveiro, Braga. Haverá surpresas?
Chega: para não cair, Ventura precisa de 429 mil votos
67.826 foi exatamente o número de votos que o Chega teve em 2019, elegendo André Ventura por Lisboa. Hoje, a fasquia autoimposta é muito superior: Ventura quer ser o terceiro partido mais votado, acima do Bloco. Mais concretamente, quer pelo menos 7% dos votos dos portugueses, para exigir (disse) um lugar num governo de direita. Para atingir esse objetivo, o partido teria de ultrapassar os 332.473 votos que o PCP teve há dois anos – admitindo que a participação eleitoral se mantém estável (um salto de 264 mil votos). Para ir mais longe e conseguir o resultado do Bloco teria de conseguir mais 432 mil – apenas mais 3 mil do que o próprio Ventura conseguiu nas presidenciais (496.773). Vamos ser precisos: para não cair, Ventura precisa de ter mais 428.947 votos do que há dois anos. Chegará?
Participação: baixará do mínimo de 5,2 milhões?
Os eleitores-fantasma e o registo automático dos emigrantes tiraram alguma fiabilidade à medição da participação eleitoral através da taxa de abstenção, mas comecemos por aí: os 51,4% de abstencionistas de 2019 foi um marco histórico negativo, ultrapassando pela primeira vez a linha dos 50%.
Concentremo-nos agora nos números da participação eleitoral. O que nos mostram eles?
- Que nunca houve menos de cinco milhões de portugueses a votar em legislativas
- Que em 1980 tivemos o recorde de eleitores, 6.025.451, sempre com abstenção abaixo dos 20%.
- Que daí até 1995 houve relativa estabilidade do número de eleitores (entre os 5,7 milhões de 1983 aos 5,9 milhões da primeira eleição de Guterres). Isto apesar do crescimento de eleitores ter passado a taxa de abstenção, passo a passo, dos 22,2% para 33,8%.
- Depois disso a participação em legislativas baixou um degrau, para os 5,4 milhões de votos, isto até às eleições de 2015. Mas ainda assim com dois picos nas duas eleições que José Sócrates venceu (à volta dos 5,7 milhões de votos). Em percentagem, os abstencionistas foram aumentando (com novos aumentos de eleitores) e passaram os 40% precisamente em 2009, chegando aos 44,1% em 2015.
- Por fim, registe que em 2019 se atingiu um novo mínimo: 5.251.064. E esta tornou-se a linha vermelha de que ninguém quer baixar.
Atenção, desta vez as legislativas ocorrem em circunstâncias muito especiais. Se estão disputadas (o que pode aumentar a propensão para votar), estamos em plena pandemia e com centenas de milhares de isolados. Estes foram, há uma semana, autorizados a votar. Irão?
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- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL