No próximo dia 13 de outubro realiza-se a eleição dos presidentes e vice presidentes das CCDR’s. Há quem veja nestas eleições, um passo importante para a regionalização e os que entendem, pelo contrário, que o voto limitado a um colégio eleitoral, afasta os cidadãos das decisões políticas e pode comprometer ainda mais a concretização desse processo.
O POSTAL pediu a opinião de três senadores algarvios da política portuguesa e quis saber, depois de chumbada em referendo, se faz sentido dar sinais de avançar com a regionalização sem nova auscultação publica.
Depois, fomos igualmente ouvir a opinião dos maiores partidos que estão fora deste bloco central e do presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL).
“ASSIM NÃO HÁ APROXIMAÇÕES À REGIONALIZAÇÃO”
1. A principal relação do 13 de outubro (eleição dos Presidentes e Vices das CCDRs) com a Regionalização é, na minha opinião, lembrar que esta fundamental reforma do Estado, com assento constitucional, continua e vai continuar por cumprir.
No entanto, ao procurar alguma democratização das estruturas intermédias desconcentradas da Administração, podia trazer avanços positivos no domínio do desenvolvimento regional.
Mas é um passo tão pequenino em matéria de competências autónomas, tão rodeado de receios, tão ferreamente controlado pelas cúpulas do Governo e do principal partido da Oposição, incluindo com negociações secretas entre Costa e Rio, que mais parece querer negar-se a si próprio, numa espécie de faz que anda, mas não anda. É claro que assim não se fazem aproximações à Regionalização
2. Um erro crasso seria os defensores da Regionalização aceitarem um novo Referendo, nos termos que foram introduzidos na Constituição pela Revisão Constitucional de 1997.
As alterações feitas então ao texto constitucional, por PS e PSD, sobretudo em matéria de referendo, tornaram praticamente impossível a vitória do sim, ao exigirem o voto favorável expresso da maioria dos cidadãos eleitores que se tenham pronunciado em consulta directa, de alcance nacional e relativa a cada área regional.
Esta exigência discriminatória, pois não existe no estatuto constitucional do referendo (e que foi introduzida confessadamente para soterrar a Regionalização), legitima que, enquanto não houver vontade política para fazer nova revisão da Constituição, eliminando as normas liquidadoras, se façam todas as aproximações à Regionalização que caibam na lei ordinária. Tal é uma das maneiras de manter viva a luta pela Regionalização.
“UMA FALSA SENSAÇÃO DE REGIONALIZAÇÃO”
1. Este acto eleitoral pretende criar uma falsa sensação de Regionalização, destinada a anestesiar qualquer ímpeto regionalista. Substitui a democracia directa de uma consulta eleitoral a nove milhões de portugueses pela democracia enviesada de uma consulta a um colégio eleitoral de 10.500 autarcas, nenhum deles mandatado para este efeito pelos seus próprios eleitores.
Pode haver legitimidade formal, mas o acto está imbuído de ilegitimidade política. Segue um calendário invertido: muitos dos autarcas que agora vão eleger os presidentes das CCDRs por cinco anos cessarão funções em menos de um ano. Não se toca no fundamental, que são as funções atribuídas às CCDRs, consignadas na respectiva Lei Orgânica. Tal como está, os presidentes das CCDRs são meros delegados do governo, sem autonomia, que têm por missão executar as políticas definidas pelos Ministérios de Lisboa nas respectivas áreas geográficas.
Trata-se, pois, de uma eleição sem programa regional subjacente, sem opções sufragadas pelos cidadãos, uma falsa descentralização. E, pior ainda, a tutela permite-se nomear um vice-presidente, dispensado de ir a votos, ou seja, um comissário político. Estamos perante um mero negócio partidário de partilha de lugares.
2. O debate sobre a Regionalização está inquinado desde o referendo de 1998, com tendência para pior. Não existem condições para uma consulta séria, nem serena, sobre assunto tão estruturante para o País mais centralizado da Europa. A demagogia venceria estrondosamente qualquer nova consulta. O labéu de “mais tachos para os políticos” colado à Regionalização está imbatível.
Depois de três crises (1998, 2011 e a actual pandemia) que agravaram as desigualdades entre os portugueses, e com o iceberg da corrupção a derreter à vista de todos, esse debate seria tudo menos sério e sereno.
O caminho passaria sempre pela vontade concertada dos líderes políticos dos partidos estruturantes da democracia portuguesa, vertida em propostas concretas nos respectivos programas eleitorais das próximas eleições legislativas. Se haveria coragem para tal, é a questão.
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“NÃO SE GARANTE AUTONOMIA DO PODER CENTRAL E LOCAL”
1. Importante referir que o colégio eleitoral é exclusivamente constituído por autarcas dos vários órgãos municipais para a eleição do Presidente. Quanto à eleição de um Vice Presidente, ele será proposto unicamente pelos Presidentes de Câmara e o outro indigitado pelo Governo. Contudo o seu mandato pode ser revogado por deliberação fundamentada do Governo. De referir, pela sua importância, as palavras do Chefe de Estado: «o diploma mantém integralmente a natureza jurídica das CCDR’s como Administração desconcentrada do Estado» e «mantém igualmente os poderes de direção, de supervisão e disciplinares por parte do Governo», negando que se trate de regionalização.
Estamos perante uma instituição híbrida onde não se garante a necessária separação de autonomia do poder central e local. Uma excessiva partidarização na escolha dos candidatos às cinco CCDR’s e as negociações fechadas entre PS e PSD têm enviesado o processo que nos leva a concluir se a intenção deste processo era caminhar para um estádio pré regional, não vai ser conseguido; por outro lado o afastamento de outros protagonistas regionais como as Universidades, as Associações Empresariais, Culturais e Sindicais gera uma entorse de efeitos negativos, nomeadamente quando se advinha a gestão pelas CCDR’s de milhões comunitários.
Existem claramente limites democráticos em todo este processo que não vão contribuir para o avanço de regionalizar o país.
2. Face à Constituição que é bem clara no Artº 256 a instituição em concreto das regiões administrativas depende da lei e do voto favorável expresso pela maioria dos cidadãos eleitores através de consulta direta. O que pressupõe nova consulta pública.
Uma alteração à Constituição para institucionalização direta das Regiões Administrativas não me parece viável.
AS REAÇÕES DOS PARTIDOS
O PCP pôs-se de fora das negociações, argumentando que se está perante um processo de “falsa democratização” que só revela, mais uma vez, “a convergência que se tem verificado entre PS e PSD”, no caso “para continuar a não cumprir a regionalização e manter as políticas de desenvolvimento regional nas mãos dos governos”.
Por sua vez, o presidente da Juventude Popular (CDS/PP) apelou aos representantes da JP com assento nos órgãos das autarquias locais a não participarem no ato eleitoral. Francisco Mota considera que “este processo é uma farsa democrática” e “um triste espetáculo” que deve ser rejeitado.
A coordenadora do Bloco de Esquerda (BE) disse que o seu partido rejeita “uma regionalização sem democracia”, acrescentando: “Tivemos uma descentralização acordada entre PS e PSD, sem meios, ou seja, passam competências para as autarquias sem as autarquias terem os meios para assumirem da melhor forma essas competências. É um erro. E agora está-se a propor uma regionalização sem democracia”, disse Catarina Martins.
…E DA AMAL
O presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL), António Miguel Pina, disse ao POSTAL que esta eleição “é mais um passo naquilo que é o objetivo final para os algarvios que é a regionalização”. Considera que esta eleição indireta “vai ser determinante para o novo enquadramento legislativo de reforço de poderes das CCDR’s, previsto para o próximo ano”.
“Porque só assim permitirá que esta nova equipa tenha verdadeira coordenação regional e que a CCDR não fique por aquilo que é hoje: um organismo de gestão de fundos e de ordenamento do território”, disse.
Segundo Pina, o processo de autonomia em matéria do ordenamento “deve ser, numa primeira fase, mais de fiscalização do cumprimento das normas”, defendendo que “a redefinição da autonomia do ordenamento do território vá sendo construindo passo a passo progressivamente”. Para isso, o presidente da AMAL espera que as CCDR’s vejam “reforçadas as suas competências e a sua autonomia, em articulação com os municípios”.
Para António Miguel Pina, “o grande projeto no âmbito das atuais competências da CCDR deverá consistir na revisão do Plano de Ordenamento do Território do Algarve.”
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