Eduardo Cabrita acaba de anunciar a demissão do cargo de ministro da Administração Interna. Apesar da dissolução da Assembleia da República, o Governo continua em funções até às legislativas de 30 de janeiro, mas agora com menos um governante. “Decidi solicitar hoje a exoneração das minhas funções ao senhor primeiro-ministro”, afirmou Cabrita, depois de uma breve exposição sobre os quatro anos como governante.
A falar do acidente do carro em que seguia a 18 de junho deste ano, e que vitimou um trabalhador na A6, o ministro começou por dizer que ninguém lamenta a morte mais do que ele próprio, “essa trágica perda, irreparável” para a família e amigos de Nuno Santos, a quem expressou “toda a solidariedade”.
Mas a partir desse dia, continuou Cabrita, quando subia o tom das críticas e os pedidos de demissão, só a pandemia e o primeiro-ministro o fizeram continuar.
“Foi com grande sacrifício pessoal que verifiquei com estupefação o aproveitamento político que foi feito dessa tragédia”, criticou o agora ex-ministro. E, por isso, “só a lealdade, o tempo e as circunstâncias que enfrentávamos há seis meses e a solidariedade do senhor primeiro-ministro me determinaram a prosseguir o exercício das funções neste verão tão difícil”.
A conferência de imprensa foi curta e não teve direito a perguntas dos jornalistas. Depois de confirmar a demissão, Cabrita quis apenas lembrar que foi o ministro da Administração Interna com o mais longo mandato em democracia, que este é “um ministério particularmente difícil” e que deseja “as maiores felicidades e sucesso” para o Governo que segue em funções. Deixando uma “palavra especial aos meus secretários de Estado”.
Cabrita considera que a dedução de acusação pelo Ministério Público, conhecida esta sexta-feira, e que pede que o motorista do carro do ministro vá a julgamento, “só reforça” a confiança no Estado de direito e nas instituições. E explica por que razão, ao longo destes meses, nunca se pronunciou sobre o caso do acidente na A6.
“Qualquer que fosse a resposta, seria interpretada como uma interferência no processo.” Portanto, “quer quanto ao ritmo, quer quanto à substância”, escolheu o silêncio.
Antes de anunciar a decisão, Eduardo Cabrita lembrou o “contexto particularmente difícil” com que assumiu a pasta, em 2017, na sequência dos grandes incêndios de junho e de outubro desse ano. Puxou pelos galões para dizer que, desde então, não morreu nenhum civil em incêndios rurais e que “tivemos os quatro anos com os melhores resultados do século, quer relativamente ao número de ocorrências, quer relativamente a área ardida”.
No desafio da última legislatura, nota positiva também. Na resposta à pandemia, o MAI assumiu a “responsabilidade pela coordenação da aplicação das medidas” de contenção da doença e, para Eduardo Cabrita, “quer as estruturas de proteção civil quer as forças de segurança foram decisivas para a paz social”.
Ministro reage à acusação de homicídio por negligência ao motorista: “Eu sou passageiro”
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE VELOCIDADE E FALTA DE PRECAUÇÃO
Ao fim desta manhã foi conhecida a acusação do Ministério Público, a requerer julgamento, contra o motorista que conduzia o carro onde ia o ministro e que teve um acidente que provocou a morte de um trabalhador na A6. Segundo o Observador, o carro seguia a 163 km/h.
O motorista Marcos Pontes, diz a acusação, conduzia “em violação das regras de velocidade e circulação previstas no Código da Estrada e com inobservância das precauções exigidas pela prudência e cuidados impostos por aquelas regras de condução”.
“Como resultado da conduta do arguido, o veículo embateu num indivíduo que procedia ao atravessamento da via, provocando-lhe lesões que lhe determinaram a morte.”
Confrontado esta manhã, o ministro começou por se defender. “Eu sou passageiro”, disse. A acusação “é o Estado de Direito a funcionar. Temos de confiar no Estado de Direito, ninguém está acima da lei. É neste quadro que o esclarecimento dos factos tem de ser feito e não com qualquer repugnante aproveitamento político de uma tragédia pessoal”.
A defesa da família da vítima, o trabalhador Nuno Santos, pediu uma indemnização de mais de um milhão de euros a Eduardo Cabrita, argumentando que o ministro era quem tinha a direção efetiva do veículo. Nuno Santos era a única fonte de rendimento de um agregado de quatro pessoas, incluindo duas filhas menores.
– Notícia do Expresso, jornal parceiro do POSTAL
Ministério Público contradiz Cabrita: a atividade dos trabalhadores estava “devidamente sinalizada” na A6 no momento do acidente
O Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Évora acusa Marco dos Santos, motorista do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, de conduzir com “com manifesta falta de cuidado e de atenção” na A6, a 18 de junho. Foi essa “total inobservância das precauções” que levaram ao atropelamento mortal de Nuno Santos, que integrava uma equipa de manutenção de limpeza naquela autoestrada.
No despacho do MP, a que o Expresso teve acesso, os procuradores de Évora revelam que o motorista seguia a 163 km/h, mais de 40 km/h do máximo legalmente estipulado para a circulação em autoestradas, e na via da esquerda durante todo o percurso efetuado. “Nada justificou a opção de condução pela via da esquerda”, diz o MP. Naquele início de tarde, não havia trânsito na A6 e a visibilidade era boa, sendo o quilómetro 77 uma curva suave. Além disso, no local do embate, o pavimento encontrava-se em bom estado de conservação e apresentava-se seco e regular.
Mas esta é apenas uma parte da história.
Há outro dado relevante: segundo o MP, e ao contrário do que referiu o Ministério da Administração Interna no primeiro comunicado após o acidente mortal, a atividade dos trabalhadores na A6 “estava devidamente sinalizada por veículo de proteção que, no taipal de trás, dispunha do sinal de trabalhos na estrada, como complemento dispunha do sinal de obrigação de contornar obstáculos à esquerda e duas luzes rotativas, a qual se encontrava a cerca de 100m/150m do local de realização dos trabalhos”. Além disso, todos os trabalhadores envergavam vestuário de alta visibilidade (colete refletor e calças com faixas refletoras).
No comunicado do MAI, em junho, o ministério referiu que não havia qualquer sinalização que alertasse os condutores para a existência de trabalhos de limpeza em curso” na autoestrada.
Acontece que um dos assessores que viajava com o ministro, David Rodrigues, confirmou ao MP que não existiam indicações quanto à velocidade, mas que “teve a perceção de ter visto uma viatura de sinalização de obras, parada na berma à direita, momentos antes do embate com Nuno Santos”. Os outros dois ocupantes do veículo corroboraram a mesma informação de David Rodrigues nos interrogatórios feitos pela autoridade, contrariando também a versão oficial do MAI naquele comunicado de junho.
Inquirido pelo DIAP de Évora, Eduardo Cabrita afirmou que “não deu qualquer indicação quanto à velocidade a adotar, nem de urgência em chegar ao destino”. Quanto à sua agenda de trabalho, “precisou que não tinha compromissos externos agendados, apenas reuniões internas com entidades do MAI e elementos do seu gabinete, a partir das 14H30 e a ter lugar no Ministério.”
Nesse fatídico km 77 da A6, às 13h08, Nuno Santos, encontrava-se no separador central e iniciou a travessia da faixa de rodagem em direção à berma do lado direito no sentido Caia/Marateca.
“Marco Pontes não conseguiu parar atempadamente a viatura, nem desviar suficientemente a trajetória e, embateu com a parte frontal esquerda do veículo no hemicorpo direito de Nuno Santos, projetando-o para a vala central (separador central), dentro dos rails de proteção.”
Do embate resultaram várias lesões fatais que o Ministério Público descreve pormenorizadamente e que o Expresso opta por não publicar.
– Notícia do Expresso, jornal parceiro do POSTAL