O viandante já se desincumbiu do plano inicialmente traçado para igrejas, ermidas, palácios e mercados, até castelos e jardins, o fio histórico já está esclarecido pela arqueologia, pelo gótico e pelo manuelino, pelas marcas do renascimento, entrou-se, por diversas razões, na pousada do Convento da Graça, demorou-se o olhar frente à casa de André Pilarte, e esta primeira imagem tem a ver com a igreja matriz de Santiago, bem atingida pelo terramoto de 1755, o que empolga são as misturas de linhas e o encastelado das igrejas. Até no Largo do Carmo se entrou à pressa na igreja, com teto rococó, fenomenal.
Chegou a hora de saciar a vista sobre a arquitectura civil, o que ainda sobra dos alvores do século XX, a teimosa conservação destes telhados de quatro águas, um dos cânones da arquitectura algarvia.
Cada um tem as suas obsessões, o culto do pormenor, o viandante gosta de meditar diante de portas, sejam de palácios ou igrejas, solares ou simples moradas de gente comum. Tocaram-lhe estas portas pela singela razão de que têm proprietários orgulhosos pela boa manutenção, pelo registo de que possui charme, pelo toque de identidade. Tenho dito.
É a despedida da Ria Formosa, e sabe-se lá porquê o viandante lembrou-se de um combate político que deu brado e laivos de demagogia quando Carlos Pimenta, então secretário de Estado do Ambiente mandou deitar abaixo as construções clandestinas da ria. O pôr-do-sol não foi ofuscante, eram um dia com muitos riscos cinzentos, até parecia prenúncio de chuva, o que não aconteceu. Não se deve viajar no Algarve sem vir aqui saborear esta paz de espírito, a ausência de tumulto que vai pelas praias, passar pelas salinas e muita terra lamacenta e aqui desembarcar, e poder ouvir as catapultas de água do oceano, ali bem perto.
Há um local em Santa Luzia onde o viandante gosta de comer peixe, choco ou polvo ou caldeirada. Pediu fatias de choco, debicou polvo e de um outro prato tirou duas colheres de açorda cheia de coentros. Ali à volta ouviam-se idiomas de quase toda a Europa, a época baixa é cada vez mais apetecível, da Rússia até à Espanha o roteiro algarvio é atracção. Voltou-se para uma última mirada à arquitectura de Tavira, seguiu-se um curto passeio pelas redondezas, nas Pedras d’el Rei alguém lembrou que havia ali uma oliveira do tempo de Jesus Cristo, aqui fica o registo, passou-se por Balsa, há que ler muito bem o livro que dela fala, tema para a próxima viagem. Agora toma-se o comboio até Faro e dali para Lisboa. Foi um inesquecível passeio, acreditem.
* Assessor do Instituto de Defesa do Consumidor e consultor do POSTAL