Tem mais de dois mil anos e são precisos cinco homens para a reunirem num abraço. O tronco, todo esburacado, dá acesso a uma sala circular onde se pode entrar e sondar glórias passadas. Por séculos fora, a oliveira das Pedras d’El Rei ‘alumiou fenícios, gregos, romanos e mouriscos. Acolheu na sua sombra os cavaleiros de Santiago’. Viu passar navegadores, mercadores e aventureiros.
Plantada mesmo ao lado da romana cidade de Balsa, diz-se que foram os fenícios – os pais fundadores de Tavira – que a trouxeram da Mesopotâmia. Balsa chegou a ser a mais importante cidade do Algarve e uma das maiores da Lusitânia, com 45 hectares de superfície, o que a tornava, à data (século II), maior do que Faro (Ossonoba), Lisboa (Olissipo), Conímbriga e Huelva (Onoba).
Certo é que, Tavira, após o declínio de Balsa, foi sempre uma plataforma permanentemente disputada. Pelo seu porto de pesca e pela localização geográfica que a colocava nas rotas do comércio mediterrânico, do norte magrebino e perto de tudo.
Se os fenicíos e mais tarde os árabes, a projetaram como um grande porto e cidade de comércio, seriam, contudo, os descobrimentos portugueses que haviam de lhe dar maior notoriedade e projeção. E foi ainda o seu porto de mar, mais uma vez, que lhe deu fortuna e nobreza senhorial. Cidade cosmopolita no dealbar do século XV, tornou-se peça fundamental na política da expansão portuguesa. Uma plataforma importante na defesa do reino e de auxílio às praças do norte de África.
Épocas e sensibilidades culturais distintas, marcaram a arquitetura e a arte que ficaram escritas nas suas ruas e nas suas pedras, nas igrejas e conventos, no castelo, na ponte e outros monumentos. Nas portas e telhados. Nas casas abrasonadas. Na sua fisionomia urbana.
Tavira, a bela adormecida ou a Veneza algarvia, como muitos gostam de lhe chamar, perscruta as vozes de um tempo longínquo e milenar. Os seus telhados – mouriscos ou do oriente – chamados de tesoura ou de quatro águas e as chaminés, lembram minaretes envergonhados. E, ao romper do sol, nas portas, a reixa deixa passar o ar e conserva a meia luz, em pormenores que emprestam beleza.
Aqui, dizia Raúl Brandão, “a alma do mouro está viva”!
Subjugada, mais tarde, por outras lutas e pela espada dos cavaleiros de D. Paio Peres Correia. E pela nobreza do século XV, que em Tavira estabeleceu praça e organizou conquistas.
Do seu regresso de Ceuta, aqui aportou D. João I, onde, na igreja de Santa Maria – uma das mais de vinte que por ali se contam – abençoou os seus filhos infantes. A cidade transformou-se rapidamente na mais populosa do Algarve e um porto de grande importância estratégica. E aqui esteve também por três meses, a corte de D. João II, preocupado com a defesa da Graciosa e o negócio das praças africanas.
E, já pelos nossos tempos – como conta Teresa Rita Lopes – a Tavira veio Pessoa, com Álvaro de Campos, em busca da “vila da minha infância” e das suas origens judaicas. Do seu avô general, do tio Jacques e da tia Lisbela, “que lhe cantava o romance da ‘Nau Catrineta’ para o adormecer, na sua casa ao pé do rio Gilão”.
Tavira é um abraço de memória onde a história se cruza muitas vezes com o imaginário fantástico, expresso nas inúmeras lendas de moirinhas encantadas que ainda hoje são vistas para as bandas do castelo, ou escondidas nos subterrâneos dos seus conventos. E para o lado dos rios, o Gilão e mais o Séqua, são testemunhas vivas de um amor secreto e proibido que compõe o quadro de uma cidade que exibe o seu fascínio em cada canto.
Olhar Tavira, é falar ainda dos arraiais da pesca do atum que já lá vão: o Arraial Ferreira Neto (hoje hotel), o do Barril, Livramento, Abóbora e Medo das Cascas. Era o tempo em que o atum, passava ao largo, de direito e de revez.
Como sempre, no verão, o azul tranquilo estende-se preguiçoso nos areais quentes das suas praias: Santa Luzia, Barril ou Cabanas. Ou, mais calmo o calor, vale a pena uma visita às suas aldeias brancas: Luz, Conceição, Santo Estêvão, Santa Catarina…
Para norte, lá na serra cada vez mais deserta de jovens que procuram outras paragens, fica Cachopo. E montes à volta.
Descobrir também um concelho que senta o mar à mesa e todos os aromas e os sabores com o que de melhor há para os sentidos: o peixe fresco na brasa, o polvo de Santa Luzia e os pratos de atum. Ou para quem prefere, a perna de borrego no tacho, o xarém e o cozido de grão.
E se lhe parece pouco, delicie-se com os folhados de Tavira!
Fontes: “História de Tavira”, Ofir Chagas; “Notícias Históricas de Tavira”, A. Casimiro Anica; “Balsa, Cidade Perdida”, Luís Fraga da Silva