No ano em que nasci (1978), para além de mim, nasceram mais 121,3 milhões de bebés em todo o mundo, dos quais 167,8 mil em Portugal. Em janeiro desse ano, o planeta tinha 4,29 mil milhões de pessoas e depois de mim já nasceram mais 6,01 mil milhões.
No dia 15 de Novembro foi assinalada a data em que o planeta Terra atingiu 8 mil milhões de habitantes. Segundo as estimativas das Nações Unidas, nunca fomos tantos seres humanos a viver na Terra em simultâneo. Não é fácil saber quantas pessoas já habitaram o planeta, mas segundo os cálculos do Population Reference Bureau estima-se que cerca de 62 mil milhões tenham nascido desde o ano 1 d. C. até 2022.
Apesar de nunca terem vivido tantos seres humanos no nosso planeta, a questão é se estaremos ou não a viver de forma mais humana e humanizada, se estaremos ou não a contribuir para que as gerações mais jovens e os 9,9 mil milhões de pessoas que ainda deverão nascer até 2100, vivam de acordo com os desígnios consagrados nos Direitos Humanos?
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) assinala os seus 74 anos já no próximo dia 10 de Dezembro. Em 1948, a comunidade internacional reuniu-se para chegar a acordo sobre um código de direitos que seriam vinculativos para todos os Estados e, desde essa data, outros documentos de Direitos Humanos têm sido objeto de acordos internacionais, como por exemplo, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (1950) e a Convenção sobre os Direitos da Criança (1990).
O conceito de Direitos Humanos, tal como o conhecemos hoje, deve muito às violações maciças dos Direitos Humanos durante a Segunda Guerra Mundial na Europa e mais além. Ao longo da história, as sociedades têm desenvolvido sistemas para garantir a coesão social, codificando os direitos e responsabilidades dos cidadãos e das cidadãs.
Os Direitos Humanos refletem as necessidades humanas básicas, estabelecem as normas de base, sem as quais as pessoas não podem viver com dignidade, debruçam-se sobre a igualdade, a dignidade, o respeito, a liberdade e a justiça. Exemplos de direitos humanos incluem o direito à não-discriminação, o direito à vida, à liberdade de expressão, o direito ao casamento e a constituir família, o direito à educação e o direito a uma orientação sexual livre de repressões. Os Direitos Humanos são de todas as pessoas, de forma igual, universal e para sempre. Para além de serem universais, os Direitos Humanos são inalienáveis, indivisíveis e interdependentes, não podem ser retirados, nunca. Todos os direitos são igualmente importantes e complementares.
Mas parece que vivemos num mundo e num tempo de curta memória e enormes paradoxos. E por isso, ao mesmo tempo que celebramos a data em que somamos 8 mil milhões de habitantes e que comemoramos mais de 70 anos da proclamação dos Direitos Humanos, assistimos a uma guerra que dura há mais de 9 meses, aos seus fortes impactos na nossa vida quotidiana, aplaudindo um campeonato mundial de futebol num país que não pratica as intenções da DUDH, e presenciando uma pobreza crescente e a consequente privação de necessidades humanas básicas e direitos, supostamente, universais de tantas e tantas pessoas.
Em 2010, a Carta do Conselho da Europa sobre Educação para a Cidadania Democrática e a Educação para os Direitos Humanos, adotada pelo Comité de Ministros no âmbito da Recomendação CM/Rec (2010)7, incentiva os Estados-Membros a incluir a Educação para a Cidadania Democrática e a Educação para os Direitos Humanos nos currículos da educação formal no ensino pré-escolar, no ensino básico e secundário, em geral, e na educação e formação profissional. A educação tem um papel essencial na tomada de consciência e na promoção de valores fundamentais, tais como a democracia, os direitos humanos e o Estado de direito, a prevenção das violações dos direitos humanos, o estabelecimento de limites à violência crescente, ao racismo, aos extremismos, à xenofobia, à discriminação e à intolerância.
A Educação para os Direitos Humanos (EDH) é, portanto, fundamental para a aplicação efetiva da legislação. O Comissariado para os Direitos Humanos apelou às autoridades nacionais para reforçar a Educação para os Direitos Humanos: as crianças em idade escolar e os jovens, mas também os docentes e os funcionários do governo, devem ser formados para promover os valores da tolerância e o respeito mútuo.
Um dos maiores desafios do século XXI é garantir que os Direitos Humanos são para todos e para todas. No entanto, os Direitos Humanos não podem ser implementados exclusivamente através de processos legais. Os Direitos Humanos são verdadeiramente respeitados, protegidos e reconhecidos quando os compreendemos, nos erguemos na sua defesa e quando os aplicamos nas nossas ações. Assim sendo, a Educação para os Direitos Humanos é essencial para a prevenção das violações dos Direitos Humanos e para tornar a Democracia um sistema sustentável. Assim, a EDH é particularmente relevante para crianças e jovens e é, em si, um Direito Humano, consagrado no Artigo 26º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
De acordo com o “Manual de Educação para os Direitos Humanos com jovens” publicado pelo Conselho da Europa (2016), a EDH envolve três dimensões: (a) aprender sobre os Direitos Humanos, ou seja, ter conhecimento sobre os Direitos Humanos, o que são e como estão salvaguardados e protegidos; (b) aprender através dos Direitos Humanos, reconhecendo que o contexto e a forma como a aprendizagem dos Direitos Humanos é organizada e transmitida tem de ser coerente com os valores dos Direitos Humanos (por exemplo, participação, liberdade de pensamento e de expressão, etc.) e que, em EDH o processo de aprendizagem é tão importante quanto o conteúdo da aprendizagem; (c) aprender para os Direitos Humanos, pelo desenvolvimento de capacidades, atitudes e valores para os aprendentes aplicarem os valores dos Direitos Humanos nas suas vidas e agir, de forma autónoma ou com outras pessoas, para a promoção e defesa dos Direitos Humanos.
Crescer e viver nos dias de hoje pode ser difícil e doloroso, angustiante e até desesperante. Demasiadas pessoas e jovens olham para o futuro com apreensão e medo, em vez de olharem com confiança e esperança. Todos podemos e devemos ser embaixadores dos Direitos Humanos e os/as psicólogos/as, mais uma vez, podem ajudar à sua promoção nos diversos contextos de educação formal e não-formal em que atuam. Temos todos que ser mais humanos na verdadeira aceção da palavra e colocar mais humanidade nas pequenas (e grandes) coisas que fazemos.