O Brexit veio ensombrar uma relação bilateral que remonta a 1373, data do Tratado Anglo-Português, a mais antiga aliança internacional. Portugal e o Reino Unido encerram mais de 600 anos de estreito relacionamento e profícua cooperação a vários níveis, com particular ênfase para as relações comerciais.
Hoje, o Reino Unido é o quarto maior mercado das exportações portuguesas e o primeiro do nosso comércio de serviços. Cerca de 6% das nossas exportações em 2019 tiveram como destino o mercado britânico, que consome bens made in Portugaltão diversos como máquinas e aparelhos, veículos e outro material de transporte, metais comuns, vestuário e produtos alimentares. No comércio de serviços, a rúbrica viagens e turismo concentra mais de 50% das nossas vendas ao Reino Unido.
O Reino Unido é, aliás, o nosso principal mercado turístico. Em 2019, Portugal acolheu 2,1 milhões de turistas britânicos, o que representou 9,4 milhões de dormidas e quase 3,3 mil milhões de euros em receitas turísticas (17,8% do volume total). O peso é maior no Algarve, onde o mercado britânico foi responsável, em 2019, por 64,1% do número total de turistas e por 5,9 milhões de dormidas.
A pandemia veio, como sabemos, baralhar estes números. As restrições à circulação interfronteiriça, em particular por via aérea, provocaram uma redução drástica do número de turistas estrangeiros – e, entre estes, dos turistas britânicos – no país e na região algarvia. E, com a brusca desaceleração da procura turística, muitas atividades e serviços (restauração, transportes, hotelaria, comércio local, espaços de diversão, imobiliário, etc.) foram seriamente afetados, registando quebras de faturação muito significativas em 2020.
Tudo isto para dizer que, nos próximos anos, o Algarve terá de recuperar dos efeitos devastadores da pandemia sobre o seu tecido económico e, ao mesmo tempo, atenuar o impacto do Brexit, sobretudo no sector do turismo. É um duplo e tremendo desafio, que certamente convocará as nossas melhores forças e contará com os nossos melhores recursos. Ainda assim, será necessário um contexto mais favorável à retoma económica, através de políticas, estratégias e incentivos públicos que tenham em conta as especificidades do Algarve e discriminem positivamente a região.
No caso do Brexit, tivemos no final do ano a boa notícia da assinatura de um acordo de comercial livre entre a UE e o Reino Unido. Ainda assim, permanecem muitas incertezas no ar. Desde logo porque, passando a haver controlo fronteiriço, os procedimentos burocráticos e os custos de contexto necessariamente aumentam e é expectável uma maior morosidade na entrada de mercadorias e cidadãos do Reino Unido. Por outro lado, verifica-se uma crescente desvalorização da libra em relação ao euro, o que retira competitividade aos nossos produtos e serviços, designadamente serviços turísticos.
Neste sentido, importa desde logo acautelar a questão do transporte aéreo, fator crítico para a atração de turistas. Parece-me decisivo termos um corredor aéreo com o Reino Unido, que facilite o desembarque de cidadãos britânicos no Aeroporto de Faro (sem formalidades ou controlos morosos) e intensifique a frequência de voos de e para a região, criando-se, com esse fim, incentivos para as companhias de aviação.
Defendo ainda o alargamento das vantagens fiscais para cidadãos britânicos que solicitem a residência fiscal em Portugal, ao abrigo do Regime Fiscal para o Residente Não Habitual (sem excluir pensionistas), desde que invistam e/ou criem empregos no país. Seria uma forma de atrair e fixar mais britânicos no Algarve, onde já têm uma comunidade importante, e estimular assim a entrada de capital, talento e investimento na economia regional.
Para que estas e outras medidas sejam possíveis, Portugal e o Reino Unido devem encontrar uma plataforma bilateral que, não só preserve as tradicionais trocas comerciais mútuas, como promova um aprofundamento das relações económicas entre as duas partes.