“Um dos grandes equívocos das sociedades contemporâneas é o que confunde política cultural com gestão cultural…
… A gestão cultural tida apenas como a gestão de espaços, de calendários, de recursos financeiros e humanos, assim e em abstracto, não tem mal algum e deve ser equacionada. O problema acontece quando por falta de política cultural a gestão acaba por vampirizar esse lugar que é o único que dá sentido à imanência do cultural e à gestão e que é a política. E fá-lo invertendo todos os termos da política cultural, colocando a gestão ao serviço do populismo, como por exemplo transformando toda a actividade cultural em entretenimento ou implementando a gratuitidade nos espectáculos em vez de uma política social de preços … “
(António Pinto Ribeiro, no jornal Público de 28 de Agosto)
A onda de entusiasmo e de expectativas que o Programa Algarve Cultural trouxe às associações e agentes culturais merece-nos uma breve e expedita reflexão.
Num anterior texto opinativo afirmámos a imprescindibilidade dos eventos culturais, pela sua elevada complexidade, técnica, de gestão, e também financeira, carecerem de ser executadas por “profissionais, quer na fase de programação (seleção, calendarização e planeamento) quer na posterior realização e sequente avaliação. Reconheceu-se que, pela pequena dimensão das nossas associações e agentes culturais, as autarquias deverão, quando e se necessário, assumir um papel de força motriz e de apoio logístico/financeiro/técnico, na vertente cultural das suas áreas.
A recente “criação” dum programa de âmbito regional, comissariado por personalidade REGIONAL de méritos reconhecidos, bem conhecedora das nossas capacidades e limitações, constitui uma lufada de ar fresco neste nosso “degredo sulista”.
E é sobre tal programa, que se apresenta definidor duma política cultural, que se formulam alguns considerandos.
Tenhamos sempre presente que a arte e a cultura em geral, têm sempre origem na criatividade e na liberdade de interpretar o meio envolvente não merecendo quaisquer outros condicionantes que não sejam de ordem moral/ética ou que façam apologia de contravalores não aceitáveis. Evidentemente que a condicionante financeira “comanda” e condiciona o desenvolvimento criativo e a programação cultural.
Devemos ainda ter em consideração que a defesa do primado do especialista/profissional, na programação e desenvolvimento das actividades culturais poderá constituir, em última instância, a forma de manter a “captura” pelas elites dominantes e/ou por certos grupos de interesses. Por tal, o “tratamento” por profissionais deverá ser sempre um complemento útil da criação, nunca podendo assumir características de dirigismo ou tutela.
Quando os especialistas/profissionais têm em simultâneo funções de gestão/decisão, existirá uma natural tendência, ou “boa vontade”, para se substituírem aos agentes culturais, podendo surgir uma desvalorização de eventuais conflitos de interesse e de orientação não equitativa na concessão de apoios e até a exclusão de associações, por menorização valorativa ou outra.
No limite poderão existir casos de miscigenação das funções oficiais, em que haja influência decisória, com atividades de promotor ou agente cultural.
São estes alguns aspetos da problemática que, pelo melindre da sua natureza, deverão merecer a melhor das atenções, carecendo como tal de contra-medidas que possam anular qualquer conflitualidade e afastar eventuais maledicências.
A transparência e a criteriosa aplicação dos recursos sempre “comandarão” qualquer tomada de decisão. Nunca será demais lembrar que é de dinheiros públicos que se trata.
Em nosso entender o Programa Algarve Cultural, pela forma participativa com que foi “desenhado” e, certamente, pela forma como irá ser executado contraria preocupantes desvirtuações que rodeiam a esfera da realização cultural.
Das virtudes e méritos deste programa assumirá especial realce a divulgação do Algarve como destino cultural e de vasto e rico património.
No que à nossa cidade concerne é-nos oferecida uma excelente oportunidade de afirmação como destino e comunidade cultural . O lema “Tavira vive cultura” tem aqui extenso campo para se espraiar.
Reconhecidos os méritos que, quer o programa “Verão em Tavira”, quer a realização da “Feira da Dieta Mediterrânica” trazem para a divulgação da “marca” e para o desenvolvimento da cidade, achamos que algo mais poderá acrescer, como referência cultural específica da nossa cidade e que constitua um polo de cultura com interesse e procura. Obviamente que estamos a referir-nos ao nosso POETA MAIOR, Fernando Pessoa, que em Tavira fez “nascer” ÁLVARO DE CAMPOS. É assunto de “Politica cultural, como bem caracteriza o António Pinto Ribeiro no ensaio que se referencia.
Oferecem-se por último algumas considerações relativas ao Programa Algarve Cultural:
1º Sendo a cultura uma necessidade activa do ser humano, não passiva, não pode, como tal, ser entendida como algo que “se oferece”, antes aquilo em que se participa.
E daí, também, que deva ser promovida a iniciativa e a mobilização dos agentes locais, incentivando todos à participação e evitando a captura por certos grupos em detrimento de outros, afastando eventuais conflitos de interesses, conforme muito bem recomendam os “expert” nestas matérias. E este programa, embora com uma fase de “arranque” pouco divulgada, irá decerto primar pela integral divulgação e pela equidade.
2º É adquirido que a introdução de procedimentos burocratizantes excessivos conduz normalmente ao afastamento da colaboração e a críticas muitas vezes infundadas. Para o evitar e por forma a, com regularidade, manter os variados agentes informados e participativos, entende-se dever ser publicitado um normativo definidor das regras básicas e dos procedimentos essenciais, complementado pelo recurso às novas tecnologias de informação.
Poderá assumir a forma tradicional de regulamento ou qualquer outra que se entenda por mais adequada. Mas, essencialmente, deverá prever a criação dum órgão consultivo, comissariado por especialistas das áreas do turismo e da cultura, integrando representantes dos artistas, dos criadores e dos agentes culturais, e que possa dar o seu contributo para a programação das atividades propondo inclusive ações inovadoras.
Em suma, congratulamo-nos com a iniciativa, saudamos a coordenadora e achamos imprescindível que “os parceiros” tenham uma voz activa na definição da programação e do mérito das atividades a apoiar.
Encontremos pois a melhor forma de levar à prática este agradável compromisso, com o empenho, saberes e artes dos nossos artistas e criadores, com absoluta salvaguarda das competências dos órgãos camarários e com o seu incondicional apoio.
E, por cá, em Tavira, focalizemos e concentremos criatividade para tornar Álvaro de Campos um ícone da nossa cidade.