“Em tempos de crise, os sábios constroem pontes, enquanto os tolos constroem muros”.
Começo com esta citação porque não é apenas pela simplicidade de uma travessia marítima que estamos a lutar, há antigos e novos muros a derrubar e pontes de entendimento a construir, para que a ponte sobre a ria possa finalmente unir as duas margens e ligar Cabanas à sua ilha.

I – A TRAVESSIA PÚBLICA MARÍTIMA A NASCENTE
Em 2016 foi lançado pela Docapesca o concurso para a exploração da travessia marítima para a Ilha de Cabanas, em regime de exclusividade por uma período obsceno de 25 anos.

Como único critério de adjudicação “para a proposta financeiramente mais vantajosa”.

A maioria do povo de Cabanas, espera que o próximo executivo autárquico se resolva finalmente pela construção de um equipamento pedonal para a Ilha de Cabanas e não se fique apenas pela promessa
Obviamente que a lógica de então era unicamente o lucro e lamentavelmente, nunca foi ponderado pelas entidades competentes a possibilidade de construir um acesso pedonal e pouco importa agora perceber se por falta de visão política, ou qualquer outro motivo menos desculpável.

Tão pouco houve a preocupação em avaliar os interesses dos cabanenses em geral, dos residentes e também daqueles, que vivendo longe, procuram sempre que possível regressar a Cabanas e naturalmente que anseiam por ir à ilha da sua terra, sendo muito triste não o poder fazer por falta de meios de acesso.

II – UMA PONTE COMO ALTERNATIVA DE ACESSO À PRAIA
O apelo por uma ponte para a Ilha de Cabanas é um anseio de décadas, um desejo que após um quarto de século de isolamento desde que a ria foi dragada, é sentido pela esmagadora maioria do povo de Cabanas e por milhares de turistas que ano após ano, fazem de Cabanas o seu destino turístico de eleição.

Os governantes, representam o povo que os elege, têm por dever e obrigação estar atentos às suas necessidades e seus anseios, devem procurar ouvir as pessoas e não têm de ficar melindrados quando criticados, mas sim que dar a cara e se necessário, explicar as suas decisões.

Nestes seis anos de luta pela ponte, temos procurado ser ouvidos pelos responsáveis políticos e pelas entidades que tutelam a Ria Formosa. De alguns, o melhor que podemos dizer, é que continuamos à espera de ser ouvidos, mas acreditamos nos políticos e nas instituições que nos representam, porque acreditamos convictamente na democracia.


E por acreditamos na democracia, nas leis e regulamentos, continuamos firmes nesta luta, por termos a convicção que os regulamentos não têm sido devidamente aplicados, por vícios adquiridos de décadas de assunção de uma travessia marítima como única forma de acesso à ilha.
III – ZONA DE RESERVA PROTEGIDA
Dizem os pareceres da APA que, a pretensão para a construção da ponte, não apresenta enquadramento, pressupondo mesmo a sua interdição, por incidir em área classificada como “espaço lagunar de uso restrito”, mas relativamente à travessia marítima, verifica-se uma permissividade total e falta de rigor na interpretação dos regulamentos em vigor e inclusive a deturpação dos regulamentos, por forma a dar resposta às necessidades de operacionalidade das embarcações e à viabilização da travessia.
A lei deverá ser aplicada com equidade e rigor, quer se trate de considerar a construção de uma travessia pedonal, ou a manutenção e o reforço da travessia marítima intensiva.
Nesse sentido, expomos aqui o disposto no artigo 26º do Plano de Ordenamento da Orla Costeira entre Vilamoura e Vila Real de Santo António (POOC), o qual classifica as diferentes zonas do espaço lagunar:

Importa perceber que o artigo 26º e relativamente à circulação de embarcações motorizadas de recreio e de actividades marítimo-turísticas especifica que fica restrita aos canais de navegação assinalados na planta de síntese;

A consulta da planta síntese comprova que o canal de navegação termina no cais em frente ao mercado, o que confirma, que a zona em questão está integralmente inserida em espaço lagunar de uso restrito e também área de Protecção Parcial tipo I e tipo II.


B – Cais de embarque/desembarque da travessia marítima, na marginal de Cabans
C – Cais de travessia marítima para embarque/desembarque na ilha
Objetivamente, a travessia pública de Cabanas a nascente, está inserida integralmente em espaço lagunar de uso restrito, área classificada como Rede Natura 2000, Zona de Proteção Especial e Sítio de Importância Comunitária, pelo que, nenhuma travessia marítima massiva, tem qualquer enquadramento no POOC, no POPNRF e na Rede Natura 2000 e só uma avaliação enviesada dos regulamentos e um inaceitável facilitismo permite o crime ambiental que a todos é visível, menos às entidades que tutelam o PNRF.

Em suma, em “Zona Lagunar de Uso Restrito”, nenhuma travessia marítima que possa ser enquadrável nos apertados regulamentos do PNRF, POOC e RD200, terá capacidade de resposta face à procura turística que nos meses estivais acorre a Cabanas, precisamente para usufruir da sua praia.
IV – O ENQUADRAMENTO LEGAL DE UMA PONTE PEDONAL
Na Resolução de Conselho de Ministros nº78/2009, de 2 de setembro consta o seguinte:
- Determinar que, na área de intervenção do POPNRF, o Plano de Ordenamento da Orla Costeira de Vilamoura-Vila Real de Santo António, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 103/2005, de 27 de Junho, é derrogado nos seguintes termos:
- O n.º 3 do artigo 27.º do Regulamento do Plano de Ordenamento da Orla Costeira Vilamoura -Vila Real de Santo António é derrogado pelo disposto no n.º 1 do artigo 20.º do Regulamento do POPNRF;
Artigo 20.º – Disposições específicas das áreas de protecção parcial do tipo I
1. Nas áreas de protecção parcial do tipo I são interditas as seguintes actividades:
b) As obras de construção ou ampliação de edifícios, com excepção de equipamentos públicos de utilização colectiva destinados ao usufruto e estudo dos valores naturais, nomeadamente observatórios e passadiços em construção ligeira, desde que autorizados pelo ICNB, I. P.;
V – ADAPTAÇÃO DO PLANO DIRECTOR MUNICIPAL AOS PLANOS ESPECIAIS DO PNRF
Em 2021 foi proposto pela actual presidente da autarquia e candidata a próximo mandato, a adaptação ao PDM aos planos especiais do PNRF e aprovado por unanimidade.

Tal deveu-se à necessidade de adequar o PDM às alterações impostas pela Resolução de Conselho de Ministros nº78/2009, de 2 de setembro sendo transposto para esse documento, a alínea b) do nº1 do Artigo 20º do POPNRF, que confirma a derrogação do n.º 3 do artigo 27.º do POOC.
Assim, verifica-se que no actual Plano Director Municipal de Tavira consta o seguinte artigo:

Esta adaptação do PDM, reforça a viabilidade regulamentar para a construção de um passadiço pedonal em construção ligeira em zona lagunar de uso restrito, o que vai de encontro aos pareceres emitidos pelo director do Parque Natural da Ria Formosa.
VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vivemos um tempo em que se procura reduzir a pegada ecológica, sendo a construção de equipamentos públicos pedonais uma das medidas mais eficazes e que, simultaneamente, melhor beneficiam as populações.
De facto, temos assistido na última década à construção de centenas de quilómetros de passadiços pedonais de acesso às praias, inclusive na Ria Formosa.
A opção entre um modelo de travessia marítima, ou uma travessia pedonal, ou ainda uma solução mista, terá de atender à capacidade de resposta do serviço público em si mesmo e não apenas para os turistas, nos meses estivais em que a procura é massiva, mas também para a população residente ao longo de todo ano.
A maioria do povo de Cabanas, espera que o próximo executivo autárquico se resolva finalmente pela construção de um equipamento pedonal para a Ilha de Cabanas e não se fique apenas pela promessa, que mais uma vez consta no programa eleitoral de TODOS os candidatos à autarquia e à junta de Cabanas de Tavira.
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