Ontem à tarde regressou à sala com um ar carrancudo, daqueles que os adultos colocam quando o que têm a dizer é grave e sério. Olhou-me fixamente nos olhos e as palavras saíram-lhe com uma dureza que, embora não guardasse rancor, era profundamente ofendida.
– Ficas informada que não podes vir aos meus anos!
Só o exímio domínio da prática de um estilo de maternidade alternativo me impediu de romper em gargalhadas. A altercação recém ocorrida, durante a qual explodi contra a sua falta de atenção ao estudo, estava a produzir efeitos hilariantes.
– Se não vou à festa, não há festa uma vez que quem a prepara sou eu! – retorqui.
– Já pensei nisso e decidi ter uma conversa com o pai para ser ele a preparar tudo!
– Muito bem, fica assim combinado, então!
Nada. Da minha parte não recebeu tristeza ou alegria, nem sequer a surpresa de quem se vê depauperado de direitos irrevogáveis.
Faz hoje onze anos que nasceu, lá para o fim da tarde. Apresentou-se à vida já na versão paradoxal: um fedelho cabeludo e desengonçado, mas com o magistral encanto que sempre têm os recém-nascidos; chegou ainda desprovido de mundo mas a guardar no olhar a sabedoria do universo inteiro. Amei-o ali e para sempre, viesse lá o que viesse.
Depois do choque frontal, o estudo da gramática decorreu produtivo e sem percalços. No fim reconsiderou e deu-me a boa nova:
– Se calhar exagerei, mãe. Afinal podes vir aos meus anos.
Um dos cantos dos meus lábios elevou-se levemente.
– Ok, em princípio acho que posso…
Achou-me piada ao sarcasmo e abalou p’rá vida dele enquanto eu fiquei a pensar na infinita sorte de ter um mundo assim a gravitar no meu mundo.