É absolutamente viciante escrever estas crónicas sobre a Vitamina C. Primeiro vem uma coisa, lê-se um artigo, que diz uma outra coisa, que leva a ler outro artigo. E de artigo em artigo junta-se uma quantidade de factos que, pelo menos eu, acho interessantíssimos e absolutamente intrigantes. Venham comigo nesta viajem.
Por exemplo, começando na crónica da semana passada – Vitamina C e Colesterol, dois dos meus temas preferidos. Quem poderia imaginar que pesquisando estes temas, porque relacionados com doenças cardiovasculares, viesse à tona a informação de que os animais, mamíferos, que sintetizam Vitamina C, como por exemplo nos ratinhos mais de 50% das lipoproteínas que lhes circulam no sangue é HDL, supostamente o “bom colesterol”, ao contrário de nós, humanos, e outros poucos espécimes que não têm esse privilegio, onde 50% das lipoproteínas que nos circula no sangue, é LDL, o “mau colesterol”. (ver link)
Por acaso acho que esta informação é muito relevante, porque um elevado nível de HDL nos humanos, ao contrário de níveis de LDL elevados, é considerado pelos algoritmos disponíveis um fator que reduz o risco de enfarte e AVC futuro.
Por muitas tentativas que já se tenham feito, ainda não se encontrou um medicamento que consiga fazer elevar significativamente este número, nos humanos. E, não havendo medicamento na calha para fazer elevar o nível do HDL, os financiadores privados dos grandes estudos científicos, não se interessam muito pela coisa; ao contrário do LDL, onde não faltam estudos.
Outra curiosidade: nas vacas. Todo o gado sintetiza Vitamina C, mas sabiam que os bezerros nascem sem essa capacidade? Durante duas ou três semanas os filhotes de vaca dependem do leite e colostro das suas mães que por variadas razões, relacionadas pela produção industrial, mostra concentrações muito baixas desta vitamina (ver link) E, obviamente, os produtores de gado preocupam-se com esse facto, porque os animaizinhos podem morrer de escorbuto se não forem suplementados com Vitamina C, desde o nascimento até começarem a sintetiza-la sozinhos. A dose recomendada é de 2g/Kg/ dia. Se usássemos essa mesma recomendação para os humanos, para mim, com 50kg de peso, a dose diária seria de 10 gramas de Vitamina C por dia, em vez dos 75mg que me está recomendado por ser mulher adulta. Só como curiosidade, também, Linus Pauling, o famoso especialista em Vitamina C e prémio Nobel da Química em 1954, tomava diariamente 17 gramas.
Mas, por outro lado, não é curioso que um mesmo animal, em fases distintas da vida, às vezes consiga sintetizar Vitamina C e outras vezes não? Porquê?
Teoricamente, aliás, bioquimicamente, há um mecanismo simples que pode explicar este fenómeno. Ao bezerro, quando nasce, falta-lhe uma enzima (querem mesmo saber o nome? l-gulono-γ-lactone oxidase, perguntaram? eu disse), a número 4 na sequência de reações químicas que transforma glucose ou galactose em acido ascórbico, e depois, ao crescer, passa a conseguir produzir essa enzima e, portanto, passa a sintetizar a Vitamina C.
Continuando a viajem. A propósito de vacas e a propósito de leite para consumo humano. Hoje, há quem defenda que uma boa alimentação se deverá reduzir os lacticínios e o glúten. O glúten é mais do que aceitável, vem da planta, das sementes, é toxico, enfim, tem lógica o argumento. Mas e o leite (e o queijo?)? Afinal, somos ou não somos mamíferos? Será porque existe alguma coisa no leite da vaca que nos pode fazer mal? Pelos vistos até há, e podem ser duas coisas – a proteína desse leite, a caseína (termina em “ina” é uma proteína), mas isso é muito raro, somente afeta 2,5% crianças ou 0,3% adultos; ou então, é o açúcar desse leite, a lactose (acaba em “ose” é um açúcar, como a glucose ou a frutose, ou ainda a galactose), e há quem diga que 65% da população adulta sofre desta maleita. (ver link)
O busílis aqui é que o leite humano, também tem lactose. O que é que se passa aqui? Diz o Google: “Intolerância à lactose é a incapacidade de digerir a lactose (açúcar do leite). O problema é resultado da deficiência ou ausência de uma enzima intestinal chamada lactase. Esta enzima possibilita decompor o açúcar do leite em carboidratos mais simples, para a sua melhor absorção”. (Lactase, termina em “ase” é uma enzima)
Portanto, para já, há aqui uma oportunidade de negócio. E obviamente isto não é novidade para a industrial alimentar: não faltam exemplos de tudo e mais alguma coisa à venda nos nossos supermercados com a etiqueta “sem lactose”. E agora, os meus queridos leitores, conseguem deduzir o que esses espertos fizeram? Tiraram a lactose do leite? Não. Porque assim não ficava docinho como a gente gosta e seria muito complicado. O que eles fizeram foi adicionar artificialmente lactase ao leite da vaca. Quem não tem, passou a ter. Fácil.
Mas fica a pergunta: então em pequeninos tínhamos lactase, e bem digeríamos o leite da mãe e agora crescemos e já não temos? Porquê?
A resposta está nos detalhes, como sempre. Não sei se repararam, mas não se chama “alergia â lactose”, mas sim, “intolerância à lactose”. Ou seja, não é uma doença, é uma intolerância. E o mais interessante é que esta intolerância à lactose está muito mal distribuída no planeta. Os europeus do norte, 90% conseguem digerir lactose, na zona do equador e na Ásia em geral, só 0 a 2% conseguem fazer o mesmo (ver link) Estes números variam muito, mas de qualquer forma, é curioso. Há uma teoria para explicar estes números? Claro. Quem deixa de beber leite, desabitua-se. Nas regiões do mundo onde mais leite se bebe é menor o nível de intolerância à lactose; nos locais do mundo onde menos leite se bebe, é maior o nível de intolerância à lactose.
Impõe-se agora um paralelo: bezerros que não fazem Vitamina C porque lhes falta uma enzima em pequenos mas depois em adultos já a têm; e humanos que ficam intolerantes à lactose por causa de uma enzima que tinham quando eram pequeninos e que em adultos está deficiente ou em falta. Nos bezerros é uma situação reversível. E nos humanos?
Não sei se sabem, mas agora há uma tendência para uma mudança para um estilo de vida mais saudável que implica uma alimentação baixa em carboidratos. Eu, por acaso, gosto desta proposta. Mas os nutricionistas nesta área contam as suas histórias, já que estudos na área da nutrição são escassos e nem sempre credíveis. Dizem eles: basta começar a ingerir lacticínios em pouca quantidade, e aumentar muito devagarinho, para o corpo se ir habituando à ideia de que precisa de (re)começar a produzir lactase sozinho. Segundo eles é uma situação completamente reversível. Acreditamos ou experimentamos?
E para terminar, uma curiosidade de fazer o pino. Em 1984, L Salmenperä, uma investigadora da Universidade de Helsinquia, publicou no American Journal of Clinical Nutrition, (ver link) os resultados de um estudo envolvendo 200 bebés recém-nascidos e suas mães, suplementados ou não com Vitamina C e seguidos durante seis meses, em que uma das conclusões foi:
A concentração de vitamina C dos bebés exclusivamente amamentados, ao fim de seis meses, era duas vezes superior aos das suas mães.
Bum… caiu-me o coração aos pés. Bebés nascem com duas vezes mais vitamina C do que as suas mães? De onde veio o raio da Vitamina C destes bebés? Será possível que os bebés humanos sintetizem Vitamina C, pergunto eu? Durante quanto tempo? Desde quando? Como? Porquê?
Outros estudos, como por exemplo este corrobora estes resultados (ver link) e alinhavam uma possível resposta para o ‘Durante quanto tempo”.
A proporção de bebês com hipovitaminose C diminuiu de 42,5% ao nascer até 35,1% às 11 semanas e depois aumentou para 54,6% às 25 semanas.
Outro estudo ( ver link) mostra que a concentração de Vitamina C no cordão umbilical é duas vezes superior ao das mães e três vezes superior no líquido amniótico na altura do nascimento e esta uma resposta curta para o “Desde quando”.
Faltam respostas para o Como e o Porquê.
E com estas dúvidas vos deixo, para pensarem. Giro, giro, era descobrirmos que nós humanos ainda sabemos como sintetizar Vitamina C, mas com o tempo nos vamos esquecendo e que um dia alguém descubra como restaurar essa capacidade.
(continua na próxima semana)
Leia também: A vitamina C, o colesterol e os ataques cardiovasculares | Por Teresa F Mendes