Um seu admirador, embora declaradamente agnóstico, Carlo Petrini, o fundador do movimento Slow Food, e inspirador do movimento Terra Madre, propôs ao Pontífice que dialogassem sobre cinco temas basilares: biodiversidade, economia, comunidade, migração e educação. O propósito era de que tais conversas se destinassem especialmente às gerações mais novas, dando-lhes motivação para organizarem ações coletivas pacíficas para novos modelos de coexistência num ambiente “bom, limpo e justo”. Assim nasceu o livro O Futuro da Terra, Diálogos com o Papa Francisco, Casa das Letras, 2021.
No prefácio, o bispo Domenico Popilli alude às questões centrais postas pela Encíclica, releva o conceito de progresso que tem feito fortuna depois do Renascimento e do Iluminismo quanto ao domínio e possessão da Terra e que nos tem vindo a conduzir a uma acentuada degradação ambiental, a da Natureza e da sociedade que a habita. Insiste que a linha dominante destes diálogos se processa sobre o paradigma da ética, que esta não assenta unicamente em sentimentos louváveis ou genuínas convicções pessoais, precisa de operacionalizar os valores e as normas morais, clarificar os fatores, as leis e os mecanismos que as ciências podem e devem estudar, e aplaude que todo o debate suscitado pela Encíclica tem levado à Constituição das Unidades Laudato Si, estas visam encontrar os bons caminhos para esse ambiente “bom, limpo e justo”, modelos de economia integral e compromisso concreto dessas comunidades em cuidar da nossa casa comum.
Os três encontros e o diálogo que eles suscitaram realizaram-se de 2018 a 2020. Petrini faz a sua avaliação da Encíclica: “Um documento que transformou o panorama do discurso ecológico e social e dirigiu o pensamento da Igreja Católica para terrenos até hoje não inteiramente explorados”. O Papa Francisco responde que quando ascendeu ao Pontificado não previa esta iniciativa, mas ela fazia parte, como ele admite, de um longo processo, tudo teria começado em 2007 quando ele participou numa Conferência do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, aí se falou, e com intensidade, dos grandes problemas da Amazónia. Terá sido aí que ele mudou a sua perceção sobre o problema ambiental.
Quando Petrini fala do seu agnosticismo, Francisco responde: “Acredito que o problema dos dois mundos paralelos (crentes e agnósticos) é uma herança do Iluminismo, que ainda carregamos quase três séculos depois. Além disso, é útil desde logo distinguir os conceitos de laicidade e laicismo: o primeiro é uma abordagem positiva, o segundo, pelo contrário, é uma atitude fechada, infantil”. Ambos abordam a importância do diálogo e do enriquecimento que ele pode provocar para a compreensão dos homens quanto ao desenvolvimento e à paz. E Francisco enfatiza que a Encíclica é social, não é um texto de ambientalista, fala-se da sociedade de consumo e a economia que mata, a importância que ambos atribuem às comunidades dispersas por todos os territórios sobre o primado da economia integral; de novo se retorna à Amazónia, ao primado das culturas e das espiritualidades, sem esse respeito não é possível avançar com o princípio de que as comunidades geram o sentimento de pertença e dão identidade. Francisco revela-se entusiasmado por ver despertar a consciência dos jovens, eles estão sensíveis a que a nossa civilização e o modelo predominante da competitividade e do hiperindividualismo estão a deixar-lhes apenas as migalhas. E o problema ambiental ganha proporções assustadoras, como ele exemplifica: “No outro dia, recebi no Vaticano os capelães marítimos de um grupo de jovens pescadores. Entre eles, encontravam-se sete jovens pescadores proprietários de um pequeno barco de pesca com qual ganhavam a vida. Disseram-me só nos últimos quatro meses que tinham recolhido no mar seis toneladas de plástico. Arriscamo-nos a ter mais plástico do que peixes no mar, e este é apenas um dos muitos problemas com os quais os jovens lidam no seu quotidiano”.
Envolvem-se num vibrante debate sobre a comida, o convívio que ela permite, a garantia que dá à nossa identidade, e o exemplo escolhido é um prato típico da região de Piamonte, de nome bagna cauda, feito de alho, azeite e anchovas, e Francisco comenta que eram as suas duas avós e a mãe quem preparavam este acepipe aos domingos. E dá uma nota sobre a ética sobre o prazer que excede a comida: “A Igreja condena o prazer desumano, grosseiro, vulgar, porém, inversamente, sempre aceitou o prazer humano, sóbrio, moral. O prazer vem diretamente de Deus, não é nem católico, nem cristão, nem outra coisa qualquer, é simplesmente divino. O prazer de comer serve para que ao comer nos mantenhamos de boa saúde, o mesmo em relação ao prazer sexual, que existe para tornar o amor mais belo e garantir a propagação da espécie”.
A conversa salta para a imigração e a riqueza que esta pode trazer, ela é apreciada pela economia que mata quando gera lucros fabulosos pela exploração e é detestada quando implica compromissos e respeito pelos direitos dos trabalhadores. Qualquer povo tem a sua matriz de consciência, a cultura de cada povo deve manter relação com as diversas culturas. “Uma globalização poliédrica com todas as culturas juntas, e não esférica, que elimina todas as culturas”. E depois falam da educação, e Francisco emite parecer: “As universidades absorveram lentamente a herança do Iluminismo. Para elas, educar significa encher as cabeças de conceitos, cursos, técnicas, e apenas isso. As universidades hoje devem reaprender as três linguagens humanas: a da mente, a do coração e a das mãos. Mas com harmonia! Significando isto que tu pensas aquilo que tu sentes e fazes, sentes aquilo que pensas e fazes, e fazes aquilo que sentes e pensas. Somente deste modo a universidade poderá evoluir. De forma contrária, formará técnicos que provavelmente com o progresso serão substituídos pela inteligência artificial, que não possui um coração e não sabe acarinhar”.
Despedem-se realçando a importância da coerência. A segunda parte da obra tem uma forma antológica com os cinco temas a que ambos se propuseram debater: biodiversidade, economia, migrações, educação e comunidade. Um encontro em que a questão central foi a trabalhar em conjunto para procurar fomentar a mudança em pequena escala, é esta que possibilita a mudança global de que precisamos.