“Ninguém sabe se sabe
Nem que acaso ou que destino nos cabe
O novo normal
É terreno minado
De acasos”
Excerto da letra O novo normal de Sérgio Godinho
Mais de um ano depois do início da pandemia, ainda não voltamos ao normal! Será que queremos mesmo voltar ao normal?
A expressão “novo normal” tem em si a expectativa de voltar a uma estabilidade em que seja possível prever o que possa acontecer, mas o mundo actual está cada vez mais imprevisível!
Não sei se este “novo normal” conseguirá expressar a forma como passamos a lidar com estas alternâncias entre estado de emergência, de alerta, de contingência e situação de calamidade. Vivemos entre ciclos, vivemos numa guerra de informação e estamos a viver uma experiência sem precedentes.
Ainda que seja um novo normal temos velhos desafios, tal como o de aprender com o que está a acontecer com coragem de olhar para a realidade com olhos de ver, porque esse é o primeiro passo para algo diferente.
Ou será que não voltaremos ao normal e teremos uma nova relação com o dito normal?
Durante este tempo que já é superior a um ano, tanto mudou, mas será que foi o mundo que mudou ou fomos nós que mudámos?
Voltámos a valorizar mais o genuíno, a ter mais contacto com a natureza, a ter horários de trabalho mais flexíveis e mais tempo para a família. Voltámos a valorizar mais a comunicação com os outros, a conhecer melhor os nossos direitos. No tempo dos direitos, temos direito ao tempo, ao nosso tempo e a apreciar e usufruir com mais qualidade do tempo de lazer.
Deixamos de medir a distância e a proximidade em metros e quilómetros e passamos a medir em minutos e horas.
O Zoom tornou-se uma ferramenta de comunicação profissional e pessoal. Embora só mais recentemente seja conhecida em massa, esta plataforma foi criada em 2011 por um informático chinês, chamado Eric Yuan. Em 2020, em plena pandemia, chegou aos 300 milhões de reuniões diárias.
A pandemia tirou-nos da zona de conforto
Tolentino de Mendonça disse, quando este ano foi distinguido com o Prémio Universidade de Coimbra, que “apandemia deve ser interpretada como uma encruzilhada civilizacional”.
O cardeal, que dirige a Biblioteca do Vaticano, acrescentou ainda que “a normalidade, pela qual tanto ansiamos, não é um lugar já conhecido a que se volta, mas uma construção nova onde nos temos de empenhar. Por distópica que possa ser, a pandemia empurra-nos para o futuro”.
Temos todos mais em comum do que possamos pensar, todos queremos ter mais qualidade de vida, um presente e um futuro com esperança. Numa perspectiva optimista, podemos ver algumas melhorias práticas deste tempo, como por exemplo, a melhoria de hábitos de higiene, a melhoria das relações interpessoais, também porque tivemos oportunidade para repensar essas relações.
A pandemia permitiu sentir como estamos todos juntos, porque foi e está a ser um momento vivido em simultâneo por toda humanidade. Passamos a compreender o sofrimento e as perdas de outra forma.
Este tempo também tem permitido olhar para dentro, não no sentido egocêntrico, mas no sentido da introspecção, da escuta interior e do desenvolvimento da inteligência emocional. Por sua vez, esse estar bem connosco próprios tem toda a influência na forma de estar com os outros.
Mudaram entre tantos aspectos as protocolares saudações que, de alguma forma, já nos cansavam, mas que tínhamos receio de recusar para não melindrar ninguém. Aqueles dois beijinhos automáticos que dávamos quando nos apresentavam a alguém ou que dávamos de forma rotineira.
Com esse cumprimento nem olhávamos nos olhos. Agora com o rosto semi tapado, os olhos tornaram-se a nossa imagem de marca. Passamos a apreciar mais a perspicácia do olhar e a inteligência do que outros atributos.
Recebam um abraço em jeito de olhar afectuoso.
P.S. – Seria bom que daqui a uns tempos, quando ouvíssemos a canção “o novo normal” de Sérgio Godinho, achássemos que essa música é uma recordação do passado…
* A autora não escreve segundo o acordo ortográfico