De acordo com um estudo do Departamento dos Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas, num futuro próximo, dois em três portugueses viverão nas duas grandes metrópoles nacionais de Lisboa e Porto.
Neste contexto, e a confirmar-se esta tendência, teremos no curto prazo dois países dentro de um.
Um Portugal dos grandes centros urbanos, coexistindo com um outro rural e tradicional. O primeiro será um país produtivo, dinâmico e europeu, como agora se diz, enquanto o segundo será um país estagnado, esquecido e com baixa produtividade, o país dos incêndios e em degradação constante.
Independentemente de, entre estas duas realidades, existir um Portugal intermédio, como algumas cidades de média dimensão e algumas zonas geográficas, como o litoral do Algarve, por exemplo, com perspectivas de algum sucesso económico e social, importa começar a encontrar, desde já, soluções adequadas para responder eficazmente a estes cenários, melhor forma de atenuar as assimetrias regionais que, fatalmente sempre existirão, dentro de um mesmo país, mas que deste modo poderão ser esbatidas. Para isso é necessário mais saber, discernimento e, muito principalmente, vontade e inteligência política.
Os recentes incêndios que assolaram o país em geral, e a serra do Algarve em particular, demonstraram claramente que o Portugal do interior se encontra num estado avançado de decomposição. Esquecido desde sempre pelo poder central, o interior e a serra vêm-se deteriorando acentuadamente ano após ano, e as populações envelhecendo a um ritmo preocupante e até assustador.
Os recentes incêndios que assolaram o país em geral, e a serra do Algarve em particular, demonstraram claramente que o Portugal do interior se encontra num estado avançado de decomposição
O despovoamento dos centros urbanos e dos núcleos de habitação dispersa na serra algarvia e um pouco por todo o interior, vem sendo tratada como uma fatalidade incontornável. Esta atitude é inaceitável e deve ser combatida a todos os níveis e centros de decisão públicos e privados.
Para inverter esta situação, torna-se imperioso e urgente aumentar as comparticipações financeiras para as zonas mais deprimidas, conceder benefícios fiscais especiais para atrair investimentos, dotar as estruturas locais de mais poderes e responsabilidades e, sobretudo, promover sectores alternativos, caso contrário, Portugal passará a resumir-se a Lisboa e Porto e o resto a paisagem, ainda por cima pobre, desertificada e sem perspectivas de futuro.
O interior e a serra dispõem de uma concentração excepcional de motivos culturais e paisagísticos, artesanato, gastronomia tradicional e muito mais. Para além disso, têm história para contar e pessoas que a conhecem e a sabem transmitir a terceiros.
Os actuais instrumentos de planeamento e ordenamento do território, que assentam num modelo gravitacional em redor dos perímetros urbanos, teve consequências perversas no crescimento turístico de qualidade no Algarve, na medida em que não levou em consideração a integração de uma visão prospectiva do turismo e da região no seu conjunto.
A ideia de um tão vasto espaço do território nacional entregue apenas a actividades públicas, financiado pelo Orçamento de Estado, é irrealista e transforma o Espaço da Biodiversidade e Conservação da Natureza numa espécie de latifúndio não sustentável e de propriedade anónima e absentista.
Neste contexto, o Planeamento e Ordenamento do Território tem de evidenciar a expressão de uma nova cultura democrática e de gestão de interesses, abandonando a filosofia, a concepção e os critérios que estiveram na origem do PROTAL, estruturando e valorizando uma nova paisagem cultural e definindo uma Área de Consolidação e Expansão para o Turismo do Algarve. Só assim será possível a sustentabilidade territorial de muitas áreas desocupadas e ambientalmente fragilizadas.
Não podemos é continuar a encafuar o urbanismo turístico no interior dos perímetros urbanos, nem continuar a aplicar sectariamente o princípio da economia do solo urbano.
A especificidade da urbanização turística passa por uma nova política que respeite o princípio da igualdade na repartição das mais valias da urbanização, altere a estrutura da propriedade dos terrenos destinados à instalação de actividades turísticas, leve em consideração a transformação na ocupação dos solos e permita a utilização dos instrumentos de expropriação.
Acresce que, para que conste, sem o advento do turismo, o Algarve seria uma espécie de “Nordeste Transmontano” com praias, independentemente do respeito que nos merece o Nordeste do País.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
NOTA DA REDAÇÃO: A presente crónica deveria ter sido igualmente publicada na edição papel do Postal do Algarve, mas por lapso técnico foi dado à estampa a republicação da crónica anterior. Aos nossos leitores e, particularmente, ao autor Elidérico Viegas as nossas sinceras desculpas.