Tomás Nevinson, de Javier Marías, com tradução do poeta Vasco Gato, foi publicado originalmente em 2021, e saiu entre nós no final do ano.
Depois de Berta Isla, personagem que dá nome ao romance do autor, é agora a vez do marido, neste romance igualmente epónimo. Tomás Nevinson (respeita-se a grafia do título original da obra em espanhol) regressou de uma temporada de 12 anos de ausência em Inglaterra. De volta a Madrid, às suas origens, e à mulher e filhos, de cuja infância esteve ausente, tentando agora entrar subtilmente na sua adolescência. Berta Isla, a mulher (pontualmente presente, designadamente nas memórias e como referente moral de Tomás, digna da maior admiração por parte do marido ausente), não o repeliu por completo, mas também não lhe pergunta nem exige nada, vivendo de forma autónoma: não coabitam na mesma casa, mas vivem muito próximo e até dormem ocasionalmente, mais por fácil conveniência do que por paixão. Talvez por se sentir deslocado, Tom rapidamente dá por si a ser tentado a regressar aos Serviços Secretos numa nova missão, agora incumbido de se deslocar a uma cidade no Noroeste de Espanha, Ruán, para identificar uma mulher, de nome Magdalena Orúe O’Dea, que dez anos antes participara em atentados do IRA e da ETA.
As suspeitas são três mulheres, chegadas subitamente a Ruán pouco depois, cuja vida Tomás terá de devassar a fim de descobrir qual delas teve em tempos a identidade dessa mulher meio norte-irlandesa, envolvida nos atentados de 1987 de Barcelona e Saragoça; enquanto que na Irlanda do Norte tudo se apazigua, no País Basco mantém-se a tensão. A missão é conseguir provas que desmascarem a verdadeira identidade dessa mulher e a incriminem cabalmente perante a justiça; ou, não havendo o suficiente para a levar a julgamento, eliminá-la. Para tal, Tomás veste uma nova identidade, a de Miguel Centurión.
Este romance com cerca de 650 páginas é escrito numa prosa torrentosa, borbulhante, narrado na primeira pessoa por um Tomás Nevinson décadas mais velho que, por isso mesmo, se permite divagar sobre a vida, a natureza do mal, as consequências das nossas acções, ligeiramente pontuada por arroubos de prosa poética e reflexiva. Apesar da sua dimensão, o romance tem um ritmo de leitura fácil e empolgante, a condizer com o que se pretende ser, afinal, uma história de espiões mas que é tão mais do que isso.
A narrativa adopta a terceira pessoa quando nos dá a perspectiva de Miguel Centurión, identidade falsa ou alter-ego de Tomás, ainda que nem sempre seja clara a fronteira psicológica; simultaneamente, à medida que Tomás vai observando as três mulheres, e envolvendo-se até fisicamente, o registo das suas vidas ganha contornos mais romanescos porque, afinal, o acto de observação é, em si, a criação de uma ficção.
Javier Marías nasceu em Madrid, em 1951. Foi professor na Universidade de Oxford e na Universidade Complutense de Madrid. Membro da Real Academia Espanhola, é um dos mais aclamados escritores da actualidade, cuja obra tem sido na sua maioria fielmente traduzida em Portugal pela Alfaguara.