Cigarra, de Shaun Tan, não é um livro para crianças!
Uma novidade da Orfeu Mini, com tradução de Carla Oliveira, que alia texto mínimo, quase telegráfico, com ilustrações imensas feitas com uma geometria evocadora dos quadros de M.C. Escher. A narrativa, por seu lado, relembra-nos Kafka.
“Cigarra trabalha em edifício alto. Dezassete anos. Sem falta. Sem erro. Tac tac tac!”
Esta é a história de uma cigarra, um trabalhador anódino num escritório cinzento e impessoal. Ao contrário dos humanos, cujo trabalho nunca acaba, cigarra cumpre sempre o seu trabalho ao final do dia. As onomatopeias no final de cada secção de texto rematam aliás essa ideia, das teclas a martelar a escrita. Rodeada por colegas que a tratam mal, com um chefe que não reconhece o seu valor. Ao fim de dezassete anos, a cigarra reforma-se, sem direito a festa de despedida. A sua libertação é uma metamorfose que enche as páginas de inesperada cor. A mensagem moral do livro atinge-nos como um murro.
Na estreia de Shaun Tan na colecção Orfeu Mini, este é um álbum fabuloso e misterioso sobre desumanização, rotina, libertação.
Shaun Tan é um dos mais importantes autores de álbuns ilustrados do nosso tempo. Na sua arte, explora pintura, escultura, fotografia e animação. Recebeu o Prémio ALMA (Astrid Lindgren Memorial Award), o maior reconhecimento de literatura infantil do mundo, em 2011, e o seu livro Tales from the Inner City foi distinguido com a medalha Kate Greenaway (2020). Realizou uma curta-metragem de animação baseada no seu livro A Coisa Perdida (edição Kalandraka), que foi premiada com o Óscar dessa categoria. Nasceu na Austrália, onde vive.
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