Dentro das suas muralhas mora uma cidade meio adormecida. E, fora delas, ainda hoje se procura o nobre passado de Óssonoba.
Árabe e romana, Faro tem estas duas faces de uma moeda com o cunho de uma história que a exalta e enobrece.
Para a conhecer, havemos de seguir o voo da cegonha, do Arco da Vila à Ermida do Alto, e lá de cima olhar a cidade: as ruas estreitas e labirínticas da zona histórica, os largos abertos ao sol, as casas rasteiras, a brisa morna, as cores …os rosa e os azuis, os laranja e os violeta!
E o pôr do sol!
Também o verde-azul da Ria, os barcos, as ilhas – o Farol, a Culatra, a Deserta – e, rodando o olhar, até onde a vista pode alcançar: Estoi e o palácio, Milreu, Conceição, Bordeira e as charolas e Santa Bárbara, mais acima. Ou, no céu azul, seguindo o risco branco dos aviões que largam ou se fazem à pista, trazendo e levando o mundo com eles, num aceno a Montenegro e à ilha mesmo ao lado.
Uma cidade entre o passado e o presente, num voo do tempo. Demasiado tempo – há quem diga – à espera do futuro. Como se tivesse ficado prisioneira nas esquinas e nas pedras onde se respira a atmosfera do maravilhoso e do fantástico. Em lendas de moirinhas encantadas, ou no milagre gravado em galaico-português, nas cantigas de Santa Maria, de Afonso X, de Castela.
Também os Judeus e Samuel Gacon por cá estiveram, deixando as suas marcas registadas em letras de oiro na Bíblia hebraica do Pentateuco. O primeiro livro impresso em Portugal, e um dos 65 títulos que compunham a biblioteca do bispo do Algarve, Fernando Martins Mascarenhas, roubados num assalto do corsário inglês, Conde de Essex, à cidade.
Mas a ligação de Faro aos valores históricos e culturais do passado ficaria incompleta sem uma das suas, porventura, maiores relíquias: “O Deus Oceano”, mosaico romano do século II d.C., classificado Tesouro Nacional e que pode ser visto no Museu Arqueológico Infante D. Henrique.
Nas páginas da sua história, ficam também as aventuras do Remexido, guerrilheiro miguelista, que aqui foi julgado e fuzilado no campo da Trindade, onde hoje fica a Alameda João de Deus.
E antes que chegue o cansaço, ensaiemos um voo rasante sobre a Ria Formosa, reserva natural, única na Europa, maternidade de aves e de peixes, zona de lazer e de recreio. Onde se esconde uma riqueza inquantificável à espera de novos ventos e novas velas.
No regresso à terra firme, é hora de partir à descoberta da praça perfeita da Sé, entrando pelo Arco do Repouso e espreitar uma vez mais a Ria à janela da Porta do Mar. E se a curiosidade não cansa muito, há-de sobrar tempo para descobrir, meio escondida, o que resta da cerca seiscentista. A segunda circular amuralhada que defendia a cidade de mar a mar.
E ao entardecer, uma visita à menina bonita da cidade, tatuada de pedras artísticas e rodeada de lojas, cafés, esplanadas e casas apalaçadas. A Rua de Santo António foi durante muitas décadas – ontem mais do que hoje – uma “passerelle” a céu aberto onde desfilavam todas as novidades e vaidades desta terra. Terá perdido o “glamour” de outrora, mas conserva ainda os traços finos e a beleza eterna de quem aguarda ansiosa por um convite de compromisso e de futuro.
E, por fim, descansemos deste voo sem tempo num terraço aberto aos astros e aos ventos, evocando o grito claro do poeta:
”aqui respiro
através das flores
da chaminé
nos planos brancos
nos montes azulados
nas velas brancas
nas areias douradas
aqui respiro a claridade”
Fontes: “Voz Inicial”, António Ramos Rosa; “Olhares”, Filipe Ferrer; outras