Contributos para o entendimento da longevidade dos manuscritos
É impossível estimar o valor cultural e financeiro de cada códice, porquanto é ele um produto único e irrepetível que provém de uma elaboração conceptual e de uma sábia habilidade manual que caracteriza cada componente e cada fase da sua elaboração: escrita, paginação, decoração e encadernação. Os códices existentes na biblioteca fazem parte de uma coleção encomendada por Malatesta Novello e, sob um atestado de resistência, sobreviveram até aos dias de hoje. Esta coleção, escrita em grego, latim e hebraico, documenta e testemunha a história da cultura e os estudos da Renascença. São portanto um tesouro a ser preservado com estima, cuidado e respeito, pois cada um destes códices possui uma importância única no corpo que é coleção.
Podemos afirmar que existem três fatores principais que contribuíram e continuam a contribuir para a conservação dos Códices Malatestianos.
O primeiro fator diz respeito à estrutura, natureza e posicionamento do edifício da Biblioteca. O Salão Nuti (recebeu o nome do arquitecto que a desenhou) ou simplesmente o Salão, espaço que contém os códices, foi construído no primeiro andar, o que permitiu abrigar e salvar as obras de várias inundações e alguns incêndios que ocorreram ao longo dos séculos. O Salão é sustentado por colunas e a sua cobertura possui uma estrutura de grandes e resistentes treliças. Juntando estas características à robustez das paredes do edifício percebe-se como pôde a biblioteca resistir aos frequentes sismos ocorridos naquela região.
A estrutura do edifício permite igualmente o controlo da temperatura e da humidade no interior do salão, estabilizando-as em valores considerados ótimos e muito pouco variáveis no decorrer das diferentes estações do ano. O microclima ali criado é cuidadosamente controlado: as visitas são programadas de hora a hora para um número limitado de pessoas e as janelas laterais, que difundem uma luz suave e repousante sobre o salão, são devidamente abertas para restaurar o nível de humidade desejável e para um arejamento essencial do espaço.
Outro facto curioso é a total ausência de luz artificial e de aquecimento no espaço. Nos anos sessenta do século passado, a administração municipal planeou instalar um sistema de aquecimento do salão. Contudo, prevendo um impacto negativo na conservação dos códices e em virtude da escassez de recursos na época, o plano não foi por diante.
O segundo fator remete-nos para o controlo e a protecção exercido pelo município de Cesena e pelos frades Franciscanos. A administração pública e os frades exerceram sempre um controlo cuidadoso sobre a Biblioteca, conseguindo inclusivamente salvar os preciosos códices das invasões de Napoleão Bonaparte que, como é notoriamente sabido, saqueou várias obras de arte de valor histórico e cultural. Antes da chegada do invasor, a administração conseguiu esconder os plúteos e os códices noutros locais, pelo que quando Napoleão chegou a Cesena e ocupou o edifício, as obras já ali não estavam. O Salão Nuti, então vazio, chegou a ser usado como dormitório para os oficiais de Napoleão.
O príncipe Malatesta Novello instituiu o princípio da “dupla-custódia” sobre a biblioteca. Ao município, Malatesta confiou o cuidado e a proteção do espaço da biblioteca, sendo que aos frades do convento franciscano confiou o espólio bibliográfico. A existência de apenas duas chaves daquele espaço é um símbolo desta dupla custódia: uma foi atribuída aos frades e a outra ao município.
A contribuição dos habitantes de Cesena e de todos os utentes da biblioteca para a conservação dos livros tem sido igualmente fundamental. A consulta dos manuscritos, ainda que limitada a contextos de investigação e sempre realizada com todas as precauções necessárias, aliada à longa passagem do tempo, causou e continua a causar nos códices vários géneros de deterioração, razão pela qual necessitam de manutenção e restauro executados por profissionais.
Isto remete-nos, então, para o terceiro fator: os restauros executados nos manuscritos.
Em geral, os restauros não são excessivamente agressivos ou evasivos. Os constituintes mais visados nestes trabalhos são o verso e a lombada dos códices (secções mais sujeitas a desgaste), o reforço das costuras, a correção de alguns rasgos nas páginas, a manutenção dos elos das correntes que os prendem aos plúteos, e a limpeza das páginas, que é sempre a primeira etapa de um restauro, logo após ser fotografado o códice de modo a documentar o seu estado antes da intervenção.
O restauro dos manuscritos é confiada a especialistas qualificados e ocorre numa sala anexa à biblioteca. É absolutamente vital que a operação seja célere, de modo a evitar que o livro esteja fora do seu ambiente natural demasiado tempo. Sendo o restauro executado perto do Salão, evitam-se assim viagens perigosas para o estado das obras e elevados custos relativamente a seguros.
Atualmente, o custo de restauro de cada manuscrito varia entre os 3.000 e os 4.000 euros. Todos os anos, uma angariação de fundos entre os habitantes e instituições da cidade de Cesena providencia as verbas necessárias para que, dentro de quinze anos, todos os manuscritos da biblioteca possam ter recebido os cuidados de manutenção necessários. No interior de cada códice restaurado, normalmente no final, é colocado um selo contendo o nome daqueles que apoiaram e financiaram a intervenção, funcionando como forma de gratidão e apreço que se prolongará na posteridade. Desta forma, cada cidadão ou instituição que contribui torna-se um elemento ativo para a salvaguarda deste espólio tão valioso e significativo, não apenas para Cesena ou para Itália, mas para toda a humanidade.
Em resumo, podemos agora compreender que o “segredo” da longevidade da biblioteca de Malatesta Novello e do seu riquíssimo espólio bibliográfico se deve à conjugação de fatores que vão desde a estrutura do edifício, ao cuidado e proteção do município e dos frades, até aos restauros executados no presente. Essencialmente, percebemos que ao longo dos séculos foram muitos os corações que amaram, protegeram e cuidaram deste tesouro… amor, proteção e cuidados esses que, ainda hoje, prevalecem.
(Tradução de Nuno M. Viegas)
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