Muito se diaboliza as redes sociais. E não sem razão: nelas proliferam mentiras, manipulações, teorias da conspiração e uma cacofonia de opiniões que, por vezes, mais confundem do que esclarecem. São terreno fértil para o narcisismo digital, para a indignação performativa e para a guerra de cliques. Não são, decididamente, um mostruário de virtudes.
Mas será justo condená-las em bloco, como se fossem apenas um antro de desinformação e superficialidade? Salvo melhor opinião, não. Porque, ao lado dos seus vícios, as redes sociais também revelam virtudes que a chamada “grande imprensa” há muito parece ter abandonado — ou, pelo menos, comprometido.
A imprensa tradicional, outrora guardiã do escrutínio público, parece hoje refém de agendas — políticas, ideológicas, económicas. O jornalismo que se pretendia imparcial tornou-se, em muitos casos, uma máquina de propaganda subtil, onde o contraditório é suprimido e os factos são moldados à narrativa dominante. Tudo se resume a preto e branco, a bons e maus, como num folhetim moralista.

Jurista
Navegar nas redes exige espírito crítico, capacidade de separar o trigo do joio, de reconhecer fontes fiáveis e desmascarar charlatães
O tratamento mediático da guerra na Ucrânia é exemplar: uma cobertura que, em muitos órgãos, se limita a repetir comunicados oficiais, a amplificar versões únicas dos acontecimentos, a silenciar vozes dissonantes. A complexidade do conflito é reduzida a slogans, e o público é convidado a torcer por um lado, como num campeonato de futebol.
É neste contexto que as redes sociais, com todos os seus excessos, oferecem algo precioso: pluralidade. Nelas circulam análises independentes, testemunhos diretos, documentos que escapam ao filtro editorial. É possível encontrar, entre o ruído, pérolas de informação que a imprensa ignora — por conveniência, por alinhamento, ou por simples preguiça.
Claro que é preciso discernimento. Navegar nas redes exige espírito crítico, capacidade de separar o trigo do joio, de reconhecer fontes fiáveis e desmascarar charlatães. Mas essa exigência, longe de ser um defeito, pode ser uma virtude cívica: obriga-nos a pensar, a questionar, a não aceitar passivamente o que nos é servido.
Não se trata de canonizar as redes nem de demonizar a imprensa. Trata-se de reconhecer que ambas têm luzes e sombras, e que o verdadeiro desafio está em cultivar uma cidadania informada, que saiba usar os meios disponíveis com inteligência e espírito crítico.
As redes sociais não são o fim da civilização — são apenas o espelho ampliado das suas contradições. E, por vezes, nesse espelho, vemos mais do que gostaríamos. Mas também vemos o que nos escondem.
Leia também: Algarve – abandono escolar | Por Luís Ganhão