Da leitura do texto intitulado “Uma estratégia para Portugal”, de autoria do Prof. Paulo Manuel João Afonso da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, a propósito de nele ser chamada a atenção para a ausência do nosso País nos estudos e pesquizas em realização na Antártida surgiu-me a ideia das outras ausências que aqui se têm verificado no que respeita ao Mar e ainda mais à Marinha nestas últimas quatro décadas.
Entretanto também passei uma vista de olhos pelos muitos textos publicados nestas duas últimas décadas o que mais me convenceu a elaborar este desabafo.
Com efeito a primeira ausência foi a decisão em Julho de 1974, com o 2º Governo Provisório de acabar com o “cluster” da Marinha, pois nessa altura em não se falava de economia do mar, que vinha dos tempos do Rei D. Dinis, mas nada foi feito para o substituir e entretanto surgiram dois preconceitos anti-marinha a saber: a Marinha Mercante ou de Comércio era uma atividade colonialista e a Marinha de Recreio era uma atividade fascista.
Devo confessar que então julguei serem estes preconceitos típicos da extrema esquerda mas mais tarde, já depois de ter aderido em 1978 ao PSD com a intenção de me bater pela recuperação da nossa Marinha constatei que afinal não era assim.
Aliás durante o Governo da AD quando aconselhados pelo Prof. Ernâni Lopes, nosso representante nas negociações para a adesão à União Europeia, se preparou um Plano Nacional de Pescas para podermos tirar mais proveitos da adesão e evitar perdas e ele foi rejeitado pelo Conselho de Ministros em 1982 sem qualquer justificação, esta ausência de melhoria na nossa atividade pesqueira teve enormes prejuízos para o País mas com mais uma ausência de alguém se manifestar o seu desacordo democrática e atentamente.
Na verdade os ataques à Marinha (recordo que esta Marinha a que me refiro é o conjunto da Armada e das Marinhas civis Comércio, Pescas e Recreio) foram crescendo atingindo o máximo durante os mandatos do Prof. Cavaco Silva em que se consumou a destruição do que restava do PREC e dos projetos em curso para a desejada recuperação.
Como exemplos destes atropelos posso citar: o Centro Cultural de Belém, a proibição de ser criada uma empresa de navios de cruzeiro inclusive já com projeto de navios pelo Eng. Ribeiro e Castro, a proibição de uma empresa portuguesa ser sócia maioritária do Porto de Macau, a proibição de se fazer um contrato com um hoteleiro de Goa que pretendia ter uma nau de Vasco da Gama como trunfo para o turismo como chamariz internacional, fecho da Soponata porque o critério de decisão era de que não precisávamos de ter Marinha pois era mais barato o fretamento…
O facto de a Marinha ter sido o fator essencial para a consolidação da nossa identidade e da nossa independência nos finais da primeira dinastia e termos durante o século XV criado a mais poderosa Marinha europeia, desenvolvido os descobrimentos marítimos, a expansão europeia e a globalização e conseguido chegar ao século XX e recordando as dificuldades que tivemos durante a guerra 39-45 por não termos Marinha não foi suficiente para contrabalançar os ímpetos neoliberais da governação cavaquista.
Convém recordar que em 74 tínhamos uma frota comercial que figurava nas primeiras quinze mundiais, de facto muito baseada no tráfego colonial, mas onde pelo menos duas companhias já tinham iniciado tráfego como terceira bandeira e o navio “Funchal” tinha sucesso nos cruzeiros internacionais, mas quanto à Marinha de Recreio o miserabilismo da nossa sociedade era de tal ordem que para se construir uma marina como a de Vilamoura era necessário haver um “monopólio” o que demonstra a total falta de noção do potencial económico desta Marinha por parte dos nossos dirigentes sejam eles do Estado ou Privados. O que diga-se de passagem a experiência mostra que esta situação dura até hoje.
E a melhor prova desta ausência são os espetáculos deprimentes do que não se fez no estuário do Tejo embora em 1987 no I Congresso do Tejo, organizado pela Associação dos Amigos do Tejo tenha havido sugestões e propostas por inúmeros especialistas, do que não se fez no Sotavento Algarvio com propostas apresentadas em 2004 e o caos existente no Alqueva quando comparamos o lado espanhol com o nosso.
A propósito existem projetos concretos, alguns com mais de vinte anos, que aguardam decisão seja de Autarcas seja de Governantes, que criariam alguns milhares de postos de trabalho e para tal situação só há ausências, sejam de decisões ou de simples chamadas de atenção quer dos que se interessam pelo Mar e pela Marinha quer da comunicação social.
Em 1984 tanto na Academia de Marinha como na Sociedade de Geografia de Lisboa, na Secção de Transportes foram apresentadas comunicações por vários membros sobre o tema do Mar e da Marinha dos quais só vou recordar a primeira que apresentei na Academia de Marinha e cujo título era “O Mar na origem e no futuro de Portugal” porque houve outras sobre este tema mas para já basta esta pois no seu final chamava-se a atenção para o facto de se estar a lutar pelo aumento da área do nosso território atlântico e quando isso se conseguisse e não tivéssemos entretanto desenvolvido a nossa Marinha seria a repetição do triste episódio do século XIX do mapa cor de rosa.
Também aqui houve duas ausências: a primeira das decisões que era preciso tomar para recuperarmos a nossa Marinha como já atrás vimos e a segunda foi a de que a nova vaga de interessados na economia do Mar ignorou os textos então apresentados embora praticamente pouco acrescentou de importante e a ausência de decisões concretas ainda não foi resolvida como seria desejável.
Já agora também recordo outra comunicação que fiz e que, dado o seu teor, não posso deixar de mencionar que foi apresentada na abertura do colóquio “Vasco da Gama, Os Oceanos e o Futuro” realizado em 27 de Novembro de 1998 na Escola Naval.
Em 1998 houve a Expo 98 para comemorar o feito mais importante da nossa história -a primeira viagem marítima direta da Europa para a India- fruto não só do nosso avanço tecnológico naval mas também da habilidade política de D. João II- que desiludiu porque tudo isto esteve ausente do nosso pavilhão, o projeto da torre correu mal e a qualidade global não correspondeu o que era possível ter sido realizado.
Além disto houve um relatório da CMIO tratando de homenagear esta data onde era afirmado ter sido Colombo o primeiro navegador oceânico o que mostra mais uma ausência de respeito pelos feitos da nossa Marinha.
Perante tantas e tão grandes ausências a muito legítima queixa pela ausência da Antártida com os dirigentes que temos tido vai ter certamente alguma dificuldade para ser resolvida como seria conveniente e correto acontecer.