No seguimento das notícias de hoje, seguem algumas considerações sobre o acordão uniformizado do supremo Tribunal de Justiça e as suas consequências para os estabelecimentos de alojamento local.
Embora no Algarve, os litígios entre proprietários e titulares de exploração de alojamento local, sejam menos expressivos do que em Lisboa e Porto, muito devido ao facto de o “aluguer para férias aos turistas” ser uma prática antiga, muito anterior à regulamentação actual, os números provam que somos [o Algarve] os principais afectados com este acordão. Estas medidas incidem sobretudo nas frações em prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal, ou seja, alojamento local na modalidade de apartamento.
Com uma breve consulta no site do RNAL (https://registos.turismodeportugal.pt), podemos confirmar que, dos 101.534 alojamentos locais registados em Portugal, 65.750 são na modalidade de apartamento, dos quais 25.000 são no distrito de Faro, o que faz com que cerca de 25% dos alojamentos locais no País sejam apartamentos no Algarve (38% do total dos alojamentos locais em modalidade de apartamento).
Em suma, no acordão, foi entendido que “no regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo, de que certa fração se destina a habitação, deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento local.”
Tendo em conta que, à excepção da Câmara Municipal do Porto, a grande maioria das restantes Câmaras Municiais apenas aceitam como única licença válida para abertura de um estabelecimento de alojamento local a licença de uso habitacional, este acordão revela um total desconhecimento sobre o assunto e põe em causa todo o sector. Citando o Dr. Miguel Torres Marques, advogado de referência na área do alojamento local, no mesmo sentido, a obrigatoriedade de alterar o uso previsto no título constitutivo da propriedade horizontal, obrigando as frações que queiram exercer a atividade do alojamento local a deixar de ter um uso habitacional, colide com um conjunto de regras que constam no RGEU, sem as quais um imóvel ou fração não pode funcionar como alojamento local, requisitos esses que não existem nas frações destinadas a comércio e serviços, uma vez que não têm nem cozinhas, nem as casas de banho necessárias, nem quartos de dormir, pelo que o que o Acórdão determina é, na prática, inexequível.
“Foi com este processo que conseguimos reduzir brutalmente as camas paralelas no Algarve“
De forma serena, a ALEP (Associação de Alojamento Local em Portugal), referiu hoje em comunicado que com a alteração à lei feita em 2018 (Lei 62/2018, de 22 de agosto), foram criados mecanismos para resolver estes casos de conflito entre condomínios e proprietários de alojamento local de forma simples, rápido e gratuito e que depois destas alterações, os casos em tribunal são residuais, uma vez que os condomínios não têm interesse em avançar com acções em tribunal, demoradas e com custos elevados. Referiu também, passo a citar;
- “Mesmo os pedidos de cancelamento por parte dos condomínios foram pouco significativos: menos de 50 desde 2018, algo irrelevante num universo de 65.000 ALs registados na modalidade apartamentos em Portugal continental e Madeira”;
- “Por esta mesma razão, e ao contrário daquilo que vem citado em algumas peças da comunicação social, não prevemos que vá existir “uma avalanche de processos” a pedir o seu encerramento, uma vez que já existe esta alternativa desde 2018”;
- “A prática confirmada pelo baixo número de oposições apresentadas nas câmaras municipais tem demonstrado que o nível de conflitualidade é residual e muito menor do que o mediatismo que fazem sobre o assunto”.
Na minha opinião, a grande diferença é que com a fixação desta jurisprudência, a probabilidade de a decisão ser favorável ao condómino/condomínio é consideravelmente superior, o que melhora o custo/benefício da ação, para além de qualquer proprietário individualmente poder avançar com a ação, sem precisar de aprovação do condomínio. Estes dois factores vão certamente, ao contrário do que considera a ALEP – talvez apenas para manter a calma dentro do sector -, desencadear uma “avalanche” de processos.
Foi com este processo que conseguimos reduzir brutalmente as camas paralelas no Algarve.