Um século e quinze anos depois, ainda ecoa o mote que orienta os algarvios nas suas reivindicações políticas junto do Governo Nacional. Em 2025, recrio o título de uma das crónicas que remonta à impressão do Jornal O Algarvio, de junho de 1912, que repousa em São Brás de Alportel.
No Museu do Traje, sentam-se algumas edições do Semanário Democrático Católico e do Jornal Ecos do Sul, semanário democrático independente, que nos permitem construir um diagnóstico quanto à evolução da moldura político-social nacional.
No tempo em que a crónica saiu à rua, tinha-se festejado o primeiro aniversário da proclamação da República. Na altura em que esta sairá, festejam-se 115 anos. Há queixas imputáveis ao governo que parecem intemporais. Não fosse a diferença no léxico e na ortografia, diria que tinham sido escritas hoje.
Se queremos que tudo mude, é preciso que tudo se mantenha igual, já dizia Lampedusa, n`O Leopardo. Mudou o regime, mas permanecem as assimetrias regionais. Já não há servos, mas ainda há fome. As mulheres já votam, mas ainda há machismo.
Se há algo que não mudou é a sensação de abandono que os cidadãos do Sul sentem em relação às políticas públicas. Na impressão lê-se “São terriveis as consequencias da crise por que vae passando esta provincia, sem que o governo mostre condoer-se da sua triste sorte. O anno agricola é péssimo por causa das irregularidades atmosphericas e o mar esconde, com uma avareza nunca vista, os seus thezouros precisamente no anno em que os vendavaes maiores estragos fizeram nas armações. (…) O que pensará fazer o governo em nosso beneficio? Provavelmente nada. Não estamos em vesperas de eleições, por isso mesmo não se pensa no caminho de ferro de Lagos, nem tão pouco em ligar de vez o Algarve com o Alentejo. Não precisam de votos, por isso assistem imperturbáveis aos queixumes do Algarve, sem se commoverem com as suas lagrimas.”.
Em consonância com o “sentimento de orfandade” que o Cristóvão Norte, candidato à Câmara Municipal de Faro, sempre insistiu em fazer menção, o Algarve continua esquecido e nunca priorizado. Se em 1912 pediam que se acudisse ao Algarve, o que pedimos nós hoje, 115 anos depois? Mudámos de regime, mas não mudou o essencial: a promessa de não deixar ninguém para trás.
Um século e quatro ou cinco gerações depois deviam significar uma mutação mais célere do quadro político-social nacional. O refrão continua o mesmo, só mudaram os intérpretes. Confio estas palavras à sorte de as encontrar o cronista que virá depois de mim, quando se celebrar mais um século de República, para que me escreva, assim como eu escrevo hoje, ao autor daqueloutra, sobre este grito trans-temporal das desigualdades regionais, na esperança de que tenha deixado de ser problema.
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