Linus Pauling diz que a culpa é da Vitamina C, ou antes da falta dela. Aliás, ele não diz, ele sugere, que é assim que os cientistas falam. E devíamos ouvi-lo, porque o ataque cardíaco e é, somente, a doença que mais mata humanos no nosso planeta.
Linus Pauling é um famoso, talvez o mais famoso químico do século XX. Foi laureado com o Prémio Nobel pela sua teoria da ligação química em 1954 e após essa data e até ao final da sua vida dedicou-se a estudar a Vitamina C. E não só descobriu e teorizou coisas extraordinárias, como também teve tempo para ganhar um outro prémio Nobel, desta vez da Paz, mas isso é outra história.
Mas antes, falemos do colesterol, que é o outro potencial culpado, pelo menos na opinião da grande maioria da comunidade médica e científica. O colesterol é, quimicamente, um álcool – termina em “ol” é um álcool, um esterol, com uma apresentação tipo um gel – que pertencem à categoria dos lípidos. Não é proteína, não é carboidrato, é lípido. Fácil.
Só que, o colesterol é absolutamente essencial para a vida. Está presente em grandes quantidades no cérebro, que faz mesmo o seu próprio colesterol; faz parte de todas as membranas celulares de todas as células do nosso corpo; e ainda é usado para fabricarmos todas as nossas hormonas esteroides, sexuais e adrenais, sumamente importantes para a preservação da espécie, e ainda a vitamina D, essencial no nosso sistema imunitário e combater doenças. Com a breca, é difícil acreditar que a evolução tenha aperfeiçoado esta maravilhosa molécula para nos fazer mal.
Mas a realidade é esta: toda a classe médica está preocupada com o “excesso” de colesterol nos seus pacientes, não fossem as doenças cardiovasculares, cardíacas e vascular-cerebrais, as que mais matam no mundo. E portanto, na sua opinião e de acordo com recomendações de entidades especialistas, é urgente baixar esse “número”, medido nas nossas analises regulares ao sangue, se: está “elevado”, se já teve ou alguém da família já sofreu um ataque cardíaco “precoce”, ou qualquer outra razão parecida, como já ter placa aterosclerótica nas artérias coronárias, a solução é tomar agressivamente, para a vida, um medicamento chamado estatina. Mais de 200 milhões de pessoas, 35% da população do mundo, estão neste momento a tomar Estatinas.
É importante saber que esse medicamento é o mais rentável de todos os tempos, para a indústria farmacêutica, tipo dezanove mil milhões de dólares em vendas, por ano? Provavelmente, (sim), não. Mas é importante também saber que hoje, qualquer estudo científico que queira estudar o efeito de qualquer outro medicamento que possa reduzir o risco de doença cardiovascular, ou cerebral, onde se compara o efeito do medicamento contra placebo (ou seja, nada), ambos os grupos terão de estar a tomar Estatinas também, porque não seria “ético” privar os pacientes dessa maravilha farmacológica que são as Estatinas.
Um exemplo relevante – os estudos com Colchicina (ver link), um medicamento antigo, reposicionado para uma situação para a qual não teria sido concebido, que tem sido muito usado para o tratamento agudo da Gota – ai que me doi imenso o dedo grande do pé – e que agora, bem recentemente em 2023, foi aprovado pela FDA (Food and Drugs Administration da USA (ver link), para ser receitado em doses muito baixas, (0,5mg/dia, metade e não mais, porque mais é toxico, mas muito eficaz, de um comprimido vendido nas nossas farmácias) para reduzir a inflamação vascular e assim reduzir o “risco residual” de ataque cardíaco.
E assim, pela primeira vez, há menos de dois anos, aparece, na FDA, um medicamento que poderá estar relacionado com a Teoria de Linus Pauling, que diz que a origem do problema cardiovascular está relacionada com a inflamação vascular e não com o colesterol. É um marco importante, porque é assim que a ciência evolui; alguém propõe uma teoria que explica os factos passados e até ser desprovada, que é o contrário de comprovada, por experiências futuras, essa teoria pode continuar a ser defendida, com base científica, como explicativa da realidade. E havendo atualmente duas ou três teorias alternativas para explicar a origem dos ataques de coração, o debate pela sua adoção pela classe médica e pelas entidades reguladores, é feroz.
A teoria mais bem aceite nos dias de hoje chama-se a hipótese lípido-coração, criada em 1953, por Ancel Keys, uma pessoa muito influente nos USA, à data, que face à percecionada epidemia de doenças coronárias defendia que o consumo na dieta de gorduras, saturadas e colesterol, levava ao aparecimento de aterosclerose e que a redução do seu consumo reduziria o risco de doença cardiovascular. (Reduziu? É ainda a principal causa de mortalidade humana, 70 anos após o aparecimento e aceitação generalizada desta teoria). Mas na realidade, ainda hoje anda todo o mundo, obcecado pelo colesterol e em “baixar” o colesterol. E quem diz colesterol, diz LDL, diz LDL oxidado, pequeno e denso, diz apoB-100, diz LP(a), enfim um monte de palavrões bioquímicos, que foram aparecendo ao longo das últimas sete décadas, mas cujo âmago é o mesmo, colesterol, colesterol e colesterol. Portanto, como esta crónica é sobre a vitamina C, olhemos para uma outra hipótese alternativa, que explica os mesmos factos.
A teoria de Linus Pauling, e do seu colaborador Matthias Rath, é muito diferente da teoria lípido-coração e é por demais interessante (ver link). Reza assim: nós humanos, por razoes que a razão ainda desconhece, há várias dezenas de milhões de anos, deixamos de produzir vitamina C. O que é indecente, porque a maioria dos mamíferos, incluindo primatas, a produzem. Mas “simultaneamente” a ter deixado de sintetizar vitamina C, passamos a produzir uma outra molécula chamada LP(a) – LP little A, ou lipoproteina A pequenino – que é da família das lipoproteínas, tal como o tal do LDL (o tal do “mau” colesterol), cuja função é múltipla, mas uma delas é transportar lípidos, por exemplo o colesterol mas também outras coisas lipossoluveis, que o nosso corpo precisa, para todas as células do nosso corpo, calmamente, pela aquosa corrente sanguínea. Os animais que produzem vitamina C, não produzem LP(a), em quantidades mensuráveis, também disseram eles e o contrário também é verdade, os animais que não produzem vitamina C, produzem LP(a). De reparar que o LP(a) desta teoria é o mesmo do da teoria lípido-coração.
E qual a proposta de Linus Pauling e Matthias Rath? Teorizaram que a origem do problema cardiovascular seria uma falta (sub-clinica, ou seja indetectavel) de vitamina C, que provocaria uma fragilidade capilar nas artérias por falta de colagénio (que precisa da Vitamina C para ser sintetizado e que cria a estrutura do vaso), uma doença, bem conhecida, chamada escorbuto (subclínico). E que, nos locais ainda mais frágeis, como por exemplo nas curvas ou bifurcações dessas artérias, por exemplo, as cardiovasculares, onde há remoinhos e mais pressão sanguínea, o que não acontece nas veias, (e por isso é que não se observa placa aterosclerótica nesses locais), haveria um desgaste extra que provocaria uma inflamação. E o resto da história é igual e toda a gente concorda. Forma-se um coagulo, umas plaquetas são ativadas, que chamam os macrófagos, que têm recetores para captar lipoproteínas, que depositam a sua carga, e ficam por ali e constroem camada sobre camada de placa aterosclerótica, porque os danos continuam a acontecer, placa essa, sim, comprovadamente associada com os possíveis futuros ataques cardíacos, ou acidentes vasculares cerebrais.
Mas disseram mais: esse LDL, essa lipoproteína de baixa densidade, que está nas placas ateroscleróticas, não é LDL “normal”, mas sim LP(a), que é uma prima, mas que é tipo super-cola-3, com uma estrutura de LDL onde se acopolou uma glicoproteína pegajosa enorme chamada apo(a) – está lá para proteger a zona, é um penso, porque não queremos aquilo a sangrar enquanto não estiver reparado, e é difícil tirarem-na de lá. Que interessante – uma teoria que se pode testar, ou antes, tem a possibilidade de se poder desprovar, experimentalmente.
E assim o disseram e assim o fizeram Linus Pauling e Matthias Rath. Começaram por olhar para as experiências in vivo anteriores e disseram “bs”, estes animais utilizados nessas experiências, ratos e coelhos, fazem vitamina C e não fazem PL(a), dificilmente poderá haver resultados generalizáveis para humanos. Puseram mãos à obra e começaram a estudar os porquinhos da índia, dos poucos mamíferos que também não produzem vitamina C, como nós, humanos. Mostraram que também eles produziam LP(a), que esta se acumulava em placas ateroscleróticas, mas que só aparecia quando não se suplementava estes animais com vitamina C e na ausência de qualquer outra alteração na dieta. (ver link)
Fazendo a historia mais curta, mais tarde, já em 2015 e após o falecimento de Linus Pauling, o Dr. Matthias Rath e a sua equipa, geneticamente alteraram o DNA para criar uns ratinhos transgénicos aos quais chamaram [Gulo-/-; Lp(a)+], ou seja, uns animais que mimam o metabolismo dos humanos, que não fazem vitamina C, [Gulo-/-) mas fazem Lp(a) [Lp(a)+] e são melhores para a investigação porque a sua longevidade media é curta, menos de metade da dos porquinhos da índia que pode chegar aos oito anos, o que torna a investigação muito cara. Curiosamente, este grupo patenteou este ratinho transgénico, mas oferece, sem custos, a qualquer grupo de investigação que queira fazer estudos nesta área. Exigem, somente, que a publicação seja feita de forma a que todos nós as possamos ler. (Chapeau, para o Dr. Rath).
E com estes novos ratinhos transgenicos fizeram a experiência (ver link) separando-os em dois grupos: num grupo, davam Vitamina C na dieta, no outro grupo, não. Os primeiros não desenvolviam placa aterosclerótica, os segundos, sim. O mesmo resultado obtido com os porquinhos da índia. Belinho. Mas mais interessante ainda, observaram que esses mesmos ratinhos transgénicos uma vez restringidos de Vitamina C na dieta, sobreviviam mais dias, quanto mais elevados fossem os seus níveis de LP(a), dando novos argumentos à tese de Linus Pauling de que a LP(a) é uma molécula que apareceu para proteger os organismos doentes por deficiência em Vitamina C, ou seja com escorbuto.
Passando para os estudos com humanos, in vitro, o mesmo Dr. Rath e a sua equipa, colheram tecido da placa aterosclerótica de pacientes humanos sujeitos a cirurgia de bypass das coronárias (ver link) e olhando pelo microscópio eletrónico, para aumentar quatrocentas vezes, observaram os tecidos pintados com um corante para fazer sobressair o LDL e fotografaram. E depois, em duplicados desses mesmos tecidos, pintaram com outro corante, para fazer sobressair o LP(a) e maravilha, o padrão era surpreendentemente o mesmo, pelo que concluíram que o LDL encontrado nas placas, não seria o LDL “normal” mas, sim, LP(a).
Agora, o que é que a nossa classe médica, lipidologistas, cardiologistas, endocrinologistas, apologistas da teoria lípido-coração, sabem sobre essa tal da LP(a)? Acham que é o papão dos papões, porque nos dias de hoje ainda não há um medicamento recomendado para baixar os níveis de Lp(a) e sem medicamento, não há muito que fazer, pelo que o melhor é dar estatinas. Sabem que está mesmo muito associada às doenças cardiovasculares, muito mais que que qualquer outro LDL, acham que é geneticamente determinada e que está elevada em um quarto ou um terço da população mundial e com grande variação étnica, pelo que dizem que basta medir uma vez na vida e esse valor vai ficar aí para sempre; sabem que dietas, suplementos, remédios e nem mesmo as estatinas, conseguem fazer baixar os valores de Lp(a) medidos no sangue para níveis considerados “decentes”. Estão a decorrer estudos e estudos, sem muitos resultados positivos e até à data a solução mais eficaz é a aferese, ou seja, filtrar o sangue da pessoa, tipo diálise e tirar tudo o que (é bom e que) é mau, cada quinze dias, ou talvez um medicamento especial-de-corrida chamado PCSK9, que pode custar 2000 euros por mês. No mínimo assustador.
Entretanto, da sua tumba, Linus Pauling continua a assombrar dizendo o que dizia em 1990 – tomem Vitamina C, muita Vitamina C, se querem baixar o LP(a), porque só produzimos LP(a) porque precisamos, porque estamos constantemente a agredir as paredes dessas artérias fragilizadas, que necessitam ser rapidamente reparadas.
Será cerdível? Ou haverá por aí algum estudo para refutar esta hipótese? Parece que sim, ou assim o afirma um estudo, publicado em 2000, financiado pelo laboratório farmacêutico La Roche, (ver link) que parece ter convencido a comunidade médica e científica, somente com o título: “Suplementação com acido ascórbico [= Vitamina C] não reduz concentração de lipoproteína(a) no plasma”. Duro golpe para a teoria de Linus Pauling? Mas o “diabo está nos detalhes”.
Analisemos o estudo de perto: este estudo, com a duração de oito meses, só utilizou sujeitos, saudáveis, com LP(a) (media 30mg/dL) abaixo do considerado problemático (acima de 50mg/dL), e afirma que não se observaram alterações estatisticamente significativas, quer no grupo que estava a ser suplementado com Vitamina C (um grama por dia), quer no grupo que estava a tomar placebo. Também referem, mas não mostram, não ter havido variação significativa nos valores de LP(a) de pacientes que poderiam ser considerados problemáticos com PL(a) acima dos 50mg/dL (acreditamos?). E também dizem que olharam, mas não publicam quais os valores de Vitamina C, nem do início, nem do fim do estudo, de nenhum dos participantes (porquê?). Humm … digamos que é um estudo, muito, muito limitado a um tipo muito específico de população, tudo saudável, com baixos níveis de LP(a), dificilmente generalizável para outras populações.
E, portanto, esta é a história de hoje para vos fazer pensar: a LP(a) afinal é mocinha ou vilã? É um penso que nos protege de sangrar por lesões nas artérias cardiovasculares provocadas por insuficiência de colagénio e de Vitamina C, ou é uma molécula de LDL pequenina com colesterol lá dentro, à qual se acoplou uma glicoproteina chamada apolipoproteina(a), muito grande e peganhenta, que se infiltra pela parede das artérias, só porque sim, e que lá dentro faz crescer essa placa aterosclerótica que nos pode provocar futuros ataques cardíacos?
Para cada um de nós decidir, porque, afinal, e aqui parece não haver dúvidas, parece que entre um quarto e um terço da população mundial tem LP(a) elevada. Já alguma vez mediu a sua LP(a)? Eu já. Saiu com prémio. 😊
(continua na próxima semana)
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