O indivíduo chamava frequentemente ‘porca’ à filha, de apenas 4 anos, tendo chegado a agredi-la fisicamente. Tinha sido condenado a uma pena única de dois anos e 11 meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de três anos, como também ao pagamento de uma indemnização de 1500 euros à ex-companheira e de 1250 euros à filha. Foi absolvido dos crimes.
Um homem que, em 2023, foi condenado por violência doméstica contra a companheira e contra a filha de 4 anos, que esbofeteava e chamava de ‘porca’, foi ilibado pelo Tribunal da Relação de Évora, que considerou que o propósito do arguido “era pedagógico e situava-se ainda dentro do dever de correção”.
“Nunca resultaria, a nosso ver, que, com as expressões que dirigiu à filha ou com a bofetada que, numa concreta circunstância lhe desferiu, o recorrente pretendesse ofendê-la, ameaçá-la ou maltratá-la corporalmente. De outra sorte, estamos convencidos que o propósito que o recorrente visava alcançar com tais condutas era pedagógico e situava-se ainda dentro do dever de correção, independentemente dos juízos valorativos que possamos fazer acerca da adequação da linguagem utilizada ou dos métodos educacionais postos em prática”, lê-se no acórdão, datado de 20 de fevereiro deste ano.
Ainda é considerado pelos juízes que “o direito penal não pode ser colocado ao serviço da evolução das mentalidades no que diz respeito a questões pedagógicas”, apontando ainda que “só assume relevância criminal o castigo que, por se revelar desproporcionado e imoderado, ultrapassa o poder/dever de correção dos pais sobre os filhos socialmente aceite”.
“As condutas imputadas ao recorrente na sentença – consubstanciadas em chamar à sua filha de quatro anos ‘porca’, em dizer-lhe ‘vais levar nas trombas, porca’ e em ter-lhe desferido uma bofetada, que não lhe deixou quaisquer marcas, quando a mesma saiu a correr de casa em direção à estrada – passam os crivos da moderação e da proporcionalidade, pelo que sempre se encontrariam abrangidas pelo poder/dever de correção, devendo considerar-se socialmente adequadas, o que as tornaria penalmente atípicas”, lê-se ainda.
É que, no dia 17 de junho de 2021, “o arguido desferiu uma estalada na cara da menor”, depois de a menina ter saído em direção à estrada, por ter visto a avó no exterior.
Para a Relação, o contexto do episódio, que é “revelador da situação de perigo em que a criança se colocara, […] pode perfeitamente indiciar que a atitude do pai tenha sido impulsiva e que tenha revestido caráter pedagógico”.
No entanto, o homem “sempre” terá mantido “um comportamento agressivo e austero com a menor”. Se a criança sujasse a roupa, a mesa ou o chão a comer, chamava-lhe ‘porca’. E mais: se entrasse em casa e não trocasse de sapatos, o pai “começava aos gritos com ela e a dizer-lhe ‘vais levar nas trombas, porca’”.
A mãe da menina, que viveu com o arguido entre 2016 e 18 de junho de 2021, também era alvo de ameaças por parte do companheiro. Sempre que o chamava à atenção pela forma agressiva como falava com a filha, o homem respondia-lhe: “Não te metas, senão quem leva és tu”.
De acordo com o documento, o arguido referia-se frequentemente à mulher como “má mãe”, considerando que não sabia “fazer nada”.
A situação foi corroborada pelos pais da vítima. Contudo, na ótica do Tribunal da Relação de Évora, os avós da menina “apenas descrevem situações normais de qualquer relacionamento pai/filho no que à educação diz respeito”.
“Relatam episódios referentes a alimentação e, a tentativa do progenitor de que a menor desse primazia a alimentos saudáveis em detrimento de outros menos saudáveis; episódios em que o pai tenta fazer a criança compreender a figura de autoridade e impor regras de forma compreensível para a criança e adequada. Manifestam estas testemunhas uma visão bastante permissiva dos comportamentos da menor, sem a imposição de regras, nem respeito pelas regras imposta pelo progenitor”, pode ainda ler-se.
O Tribunal da Relação de Évora já tinha, em 2022, tomado uma decisão polémica a respeito de crimes sexuais contra menores, quando ilibou um professor de Inglês de uma pena de prisão efetiva, na altura alegando que “carícias por baixo da roupa a alunas de sete anos tinham ‘cariz sexual’ mas não representavam crime de abuso sexual”.
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