O drama atual da União Europeia reside no facto de ela não ser um regulador acreditado da presente desordem internacional e, também, de não possuir legitimidade política bastante para ser um regulador eficaz entre Estados membros. Democracia europeia e Estado pós-nacional, são, portanto, as duas faces da mesma moeda. Estamos no final de 2025 em plena guerra da Ucrânia e enredados em planos de paz que mais parecem planos de humilhação. O projeto de construção europeia vive, atualmente, o que poderíamos designar como os dilemas do prisioneiro. Estamos, com efeito, num limiar crítico da união política europeia devido, justamente, a uma convergência absolutamente inusitada de um conjunto de fatores de alto risco que, em qualquer momento, podem eclodir e precipitar a colisão entre a democracia europeia e o Estado pós-nacional, que são funcionalmente interdependentes por via da atual governação multiníveis.
Aqui chegados, perante tanta incerteza e tensão geopolítica, os Estados-nacionais muito dificilmente aceitarão ser fiéis, a tempo inteiro, a um comando europeu unificado. O projeto europeu continuará, por isso, a fazer navegação à vista e a adotar uma política dos pequenos passos enquanto implora, no curto prazo, para que um facto geopolítico grave não exploda à superfície e atinja seriamente o espaço territorial da União Europeia. Assim, talvez possamos afirmar que, na atual conjuntura geopolítica, a União Europeia vive o chamado dilema do prisioneiro. Senão, vejamos.
O primeiro dilema coloca face a face, por um lado, a clara perda de centralidade do Estado e a sua capacidade de configurar a sociedade aberta e global e, por outro, a radicalização soberanista e populista da política doméstica que recupera o Estado central como se estivéssemos órfãos de Estado. Aliás, esta radicalização já se observa na atual composição do Parlamento europeu com a subida dos partidos patriotas e soberanistas.
O segundo dilema diz-nos que os impulsos mais fortes para a reforma da União Europeia virão do exterior, sobretudo na grande área da política externa, segurança e defesa (PESD) em todas as suas dimensões, onde se incluem os imigrantes e os refugiado, mas, também, a política energética e o combate contra a criminalidade financeira em matéria de offshores, evasão e fraude fiscais; porém, a reforma da PESD pode provocar fraturas internas profundas no alinhamento europeu de alguns Estados membros, em especial no plano orçamental com a eventual criação de um orçamento para a zona euro e uma nova estrutura de custos e benefícios do orçamento europeu.
O terceiro dilema fala-nos do paradoxo da legitimidade. Não podemos mudar a hierarquia dos objetivos de política europeia e caminhar para um novo modelo de política orçamental sem ter um acréscimo equivalente de legitimidade política democrática. É aqui que se inscrevem as propostas de um orçamento para a zona euro, validado por uma assembleia parlamentar da zona euro e conduzido por um ministro das finanças europeu. Estão em causa dois objetivos maiores: atribuir legitimidade política democrática a uma assembleia parlamentar da zona euro e dar um passo na direção de uma política orçamental que esteja em condições de interagir mais e melhor com a política monetária do BCE e, nessa medida, possuir uma política económica da zona euro mais efetiva.
O quarto dilema refere-se ao paradoxo das várias velocidades. A União não pode permitir que o reforço da zona euro, através de uma cooperação reforçada consentida pelos tratados, esteja na origem de uma divisão política grave, em virtude da aplicação da teoria da “Europa a várias velocidades ou círculos concêntricos”, o que pode ser entendido por alguns países do leste europeu como uma aplicação discriminatória da teoria dos clubes. Por isso, seria preferível uma via de integração mais diferenciada e inclusiva de acordo com o ritmo e a vontade própria de cada Estado-membro.
O quinto dilema é o paradoxo das revisões hors-traités. A União não pode permitir que sucessivas revisões em áreas fundamentais sejam realizadas fora dos tratados, no plano intergovernamental, e contrariem, assim, a legitimidade política e democrática das instituições europeias que perdem, mais uma vez, a confiança dos cidadãos europeus.
O sexto dilema diz respeito à substituição da ordem liberal e do primado da lei e das instituições multilaterais pela política de potência e das áreas de influência onde a lei da força prevalece sobre a força da lei. Perante as políticas erráticas dos EUA, as políticas geoestratégicas da China e as políticas revisionistas da Federação Russa não surpreende que o soft power da União Europeia atravesse um dos seus momentos mais críticos.
O sétimo dilema, que a COP30 veio confirmar mais uma vez, diz respeito à relação estrutural entre sustentabilidade e competitividade. Para um grupo de países onde se inclui a União Europeia não há incompatibilidade entre sustentabilidade e competitividade, porém, para um segundo grupo muito alargado de países esta relação de necessidade põe em risco a atual distribuição de custos e benefícios do comércio global. No final, isto significa uma dificuldade acrescida em concluir acordos multilaterais de comércio e desenvolvimento por parte da União Europeia.
O oitavo dilema diz respeito aos fluxos erráticos de população que alcançam o território europeu. Falamos de fluxos migratórios, legais e ilegais, refugiados e exilados, e outros deserdados do infortúnio global. Infelizmente, a pobreza, a desigualdade, a guerra, a criminalidade, fazem parte do mundo em que vivemos, serão, por isso, realidades sempre presentes no nosso quotidiano que interferirão com os equilíbrios internos da política doméstica dos Estados membros da União Europeia e, bem assim, com a própria orientação política da União.
O nono dilema diz respeito à reconstrução da Ucrânia e aos alargamentos aos países da península balcânica e leste europeu. Mais uma vez, estas opções geoestratégicas e geopolíticas irão interferir com a atual política orçamental da União Europeia e a distribuição de custos e benefícios entre os atuais Estados membros. Mais uma vez, a necessidade de união política europeia colide com os limites do Estado pós-nacional. No final, será mais a pressão das circunstâncias externas do que a vontade política própria a determinar a linha de rumo a prosseguir.
O último dilema, que atravessa transversalmente todas áreas, diz respeito ao paradoxo da sociedade algorítmica. A União Europeia, no plano orçamental, confrontada com um súbito aumento de despesa pública, está obrigada a reduzir custos de contexto, de formalidade burocrática e procedimento regulatório. Todavia, não pode permitir que a governança algorítmica, por via de regulamentos e procedimentos inteligentes e automáticos, tome o lugar da deliberação política e do processo legislativo, correndo o risco de ser acusada de praticar uma integração furtiva à revelia dos Estados membros.
Escrevo este texto no dia 26 de novembro, uma nuvem negra e espessa paira sobre os termos de um eventual acordo de paz entre a Ucrânia e a Rússia intermediado pelos EUA e com a participação colateral de alguns países europeus. Não há instituições nesta negociação – Nações Unidas, OTAN, União Europeia – apenas os poderes específicos de alguns Estados. Os canais diplomáticos tradicionais foram substituídos, em larga medida, por homens de mão dos presidentes. Esta é a política transacional e mercantilista aplicada às relações exteriores. Estamos no mundo maravilhoso das políticas de potência e das áreas de influência. O que ambiciona ser a União Europeia neste contexto?
Artigo publicado no Observador.
Leia também: União Europeia, governo dos comuns e gestão de externalidades (II) | Por António Covas

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