Escrevo esta pequena reflexão na primeira semana de outono de 2025, em reação ao discurso que Mário Draghi proferiu no 46º Encontro de Rimini em Itália no dia 22 de agosto acerca do estado da União. Na altura Draghi considerou ter sido este o ano em que a União Europeia viu desaparecer a ilusão de que a dimensão económica do bloco lhe conferia peso geopolítico no mundo e acrescentou que manter o status quo significa render-se e deixar a Europa à margem. Do texto da sua intervenção retiro as conclusões mais pertinentes, obviamente, de acordo com as minhas próprias palavras e interpretação:
– É lamentável que o bloco europeu tenha tido de se resignar às tarifas impostas pelo seu principal e mais antigo aliado, os Estados Unidos, e seja um ator de pouco peso na tentativa de resolução dos conflitos em curso;
– Durante anos, a UE acreditou que a sua dimensão económica, com 450 milhões de consumidores, lhe conferia poder geopolítico nas relações comerciais internacionais, este ano será recordado como o ano em que essa perceção se dissipou;
– Embora pressionada a aumentar as despesas militares para a defesa, é lamentável que a Europa esteja a ter um papel de pouca relevância nas negociações de paz para a guerra na Ucrânia e remetendo-se ao papel de espectadora quando as instalações nucleares iranianas foram bombardeadas e quando o massacre em Gaza se intensificou;
– O mundo, claramente, não espera por nós, pelos nossos tempos de resposta e reação, temos de ir muito para lá das respostas de emergência às crises;
– O setor público ficou para trás, temos de voltar às políticas de industrialização num mundo pós-keynesiano de políticas públicas comuns dirigidas às indústrias de energia, de defesa, às indústrias tecnológicas e biotecnológicas num quadro de maior integração política e financeira;
– Eis duas recomendações para alavancar a economia europeia: em primeiro lugar, completar o mercado interno e eliminar a maior parte dos obstáculos ainda existentes que levam muitos Estados membros a importar de países terceiros; em segundo lugar, precisamos de reduzir a nossa dependência estratégica em tecnologias críticas e materiais raros provenientes dos EUA e da China;
– O tempo urge, não esperemos por mais uma crise de estagflação, façamo-lo agora enquanto temos controlo sobre o nosso próprio destino coletivo, mostremos o nosso compromisso com o interesse comum e a vontade coletiva num tempo em que as plutocracias e os regimes autocráticos tomam progressivamente conta da situação.
Dito isto, não é possível que uma entidade política como a União Europeia, o projeto político mais inovador do século XX, chegue a 2025 e dependa da Federação Russa para o abastecimento de energia, dos EUA para as tecnologias de informação e comunicação e da China para os semicondutores e as terras raras, três Estados que não respeitam as liberdades democráticas e as regras do comércio multilateral e as instrumentalizam em nome do poder e das relações de força com o objetivo de obterem vantagens negociais táticas em outras áreas igualmente relevantes para os seus interesses.
Num plano mais formal, jurídico-político, o impulso para a mudança na União Europeia pode seguir vários caminhos, por exemplo: uma Carta de Princípios, Convenção ou, mesmo, Ato Único sobre a futura federação europeia (1), uma revisão ordinária dos tratados de acordo com o artigo 47º do Tratado da União Europeia (2), uma revisão simplificada dos tratados de acordo com o artigo 47º, nº6 do TUE (3), uma cooperação reforçada em várias áreas onde bastam apenas 9 Estados membros de acordo com o artigo 20º do TUE (4), uma cooperação estruturada permanente na área da defesa onde são necessários 25 dos 27 Estados membros de acordo com o artigo 42º, nº6 e o protocolo 10 anexo aos tratados (5), criações fora dos tratados como fundos, iniciativas, mecanismos, autoridades, entidades, como instrumentos de suporte de políticas comuns europeias (6) e, por último, uma sábia e corajosa combinação de algumas destas propostas sob a forma, por exemplo, de um Ato Único Europeu (7).
Aqui chegados, parece-nos evidente que o projeto político europeu, tal como está, é mais passado que futuro. Ora, no atual contexto, já não chega ser uma simples expressão do passado transatlântico, a União Europeia tem de revelar-se a grande esperança do futuro e de uma nova ordem internacional. Se não for um projeto de médio e longo prazo com essa ambição e protagonismo, a Europa poderá ser engolida pela distopia tecno-digital e pelo labirinto da política transacional de curto prazo. Tal como refere o Relatório Draghi o projeto europeu é em nome de uma liberdade real e não de uma liberdade ficcionada. É preciso, portanto, no plano europeu dos bens comuns e dos bens públicos globais, uma agenda mobilizadora que combata a subprodução de externalidades positivas e a sobreprodução de externalidades negativas, tal como decorrem da agenda digital, do pacto ecológico, de uma sub-industrialização europeia e de uma verdadeira economia circular. Acresce que a tecnologia não dita o destino de uma nação, mas a segurança e a defesa coletiva exigem-na. Em todos os casos, temos de regressar à política representativa e deliberativa para respeitar as liberdades democráticas, retomar o controlo da vida coletiva e direcionar a tecnologia para servir o interesse geral e o bem comum.
Nas palavras da Presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, “a Europa tem apenas duas opções: uma mudança corajosa ou uma lenta e dolorosa espiral rumo à irrelevância” ou, para usar as minhas próprias palavras, para experimentar a insustentável leveza do ser. E assim será, se assim for.
Artigo publicado no Observador.
Leia também: União Europeia, a crise do modelo idealista e normativo de soft-policy! | Por António Covas

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