- Por Mariana Durães, jornal Público
Mourana Monteiro consegue localizar no tempo o momento em que percebeu que preenchia os critérios de ecoansiedade “no sentido de problema clínico”: coincidiu com a altura em que Greta Thunberg começou a ganhar relevância nos media nacionais e internacionais — ou seja, por volta do início de 2019.
Antes de a activista sueca se tornar mediática, Mourana, de 25 anos, já punha em prática algumas acções individuais mais amigas do ambiente, como “andar a pé, reduzir o consumo de fast-fashion ou fast-food”. “Daquilo que a escola me tinha dado, achava que estávamos a combater o efeito de estufa, a reduzir o buraco da camada de ozono e que as coisas estavam controladas”, relembra. Mas quando Greta Thunberg se fez ouvir — e desencadeou um movimento global — percebeu que “não estava a fazer o suficiente” e que a sua vida “estava ameaçada”.
Começou a sentir alguma ansiedade com “pequenas coisas do dia-a-dia”. Se via alguém deitar lixo ou beatas para o chão, se ouvia falar de greenwashing, se via decisores políticos a culparem os indivíduos em vez de tomarem medidas. Mas a ansiedade foi evoluindo. “Quando tomava banho, sentia-me culpada. Deixei de comer carne, peixe e outros derivados de animais, até fiquei com uma anemia grave”, conta. Depois, vieram os “pesadelos com catástrofes e com inícios de guerra civil”, desentendimentos com o namorado quando começou a perguntar-se se “seria egoísta ter filhos e trazer ao mundo mais uma boca para alimentar”. Quando partilhou o que lhe estava a acontecer com a terapeuta que a acompanhava na altura, “ela não soube dizer que era ecoansiedade”. “Era um tema muito pouco falado na altura. Ainda hoje o é.”
Estava neste turbilhão de emoções quando uma jovem de Palmela, Matilde Alvim, sugeriu criar um núcleo de activistas semelhante aos que já se reproduziam pelo mundo: nascia a Greve Climática Estudantil. “OK, não estou sozinha, há mais pessoas preocupadas com isto”, respirou fundo.
Envolveu-se no movimento, tornou-se activista e tranquilizou-se. Sentia, finalmente, que estava a pôr em prática “um acção efectiva contra a crise climática”, e tinha também um “sentimento de pertença” que a aliviava. Foi aí que teve uma catarse: “Pensei: ‘Vou fazer luto do futuro que sempre imaginei, mas posso imaginar outro futuro que também é bonito, que é esperançoso e possível’.”
Para um diagnóstico de ecoansiedade, prescrevo o seguinte tratamento: luta colectiva: é este o título de um artigo (ainda por publicar) no qual trabalhou. “Tem de ser nos colectivos, e com as pessoas com quem queremos construir um futuro, que tratamos o problema da ecoansiedade”, garante, para depois corrigir: “Que não é um problema. Porque, quando a nossa sobrevivência está em risc, é normal e adaptativo ficarmos ansiosos em relação a isso. Não é um problema imaginário, é real.”
Mas, enquanto activista, também já se sentiu assoberbada. É que, como Pedro Oliveira, psicólogo da EcoPsi (uma organização que reúne psicoterapeutas sensíveis às questões de saúde mental relacionadas com a crise climática), refere, estas são pessoas que “estão na linha da frente dos que procuram e absorvem informação” sobre o tema. “O activismo é um sítio onde as pessoas podem resvalar para o burnout com alguma facilidade”, afirma o psicólogo. Por isso, é preciso criar estratégias não só individuais, mas também dentro dos núcleos.
Começar reuniões com um “check-up emocional”, onde os envolvidos dizem como se sentem, ou promover momentos de discussão e reflexão, podem ser momentos importantes para ajudar a manter a saúde mental dentro do grupo. A Greve Climática Estudantil já o vai fazendo, com vista a aliviar “uma cultura de sobrecarga de trabalho e de peso, de responsabilidade sobre o futuro” que existe no activismo.
“Acho que é cíclico termos períodos em que ficamos mais desmotivados e, nesses momentos, precisamos de dizer que não estamos disponíveis. Por isso é que a luta é colectiva — para que possamos ter diferentes níveis de envolvimento ao longo do tempo, para podermos compatibilizar a luta com a nossa vida”, aponta a activista.
Por saber disto, Mourana está actualmente a pesquisar sobre ecoansiedade e a trabalhar num guia que servirá para sensibilizar pessoas envolvidas na luta. “Vai existir uma parte específica sobre como é que os próprios colectivos podem, internamente, ter esse tipo de estratégias, que tipo de treinos de competências podem ser importantes para trabalhar a questão da saúde mental. Pode também ser importante ter profissionais ou estudantes da área da saúde mental em momentos de crise, acampamentos, ou outros”, afiança.
Os profissionais de saúde, acredita, estão “capacitados para questões relacionadas com a ansiedade”. Mas “se conseguem compreender directamente que um problema é de ecoansiedade e quais as estratégias mais focadas para a questão climática e, especificamente, para a questão da luta colectiva? Acho que não”, lamenta. Contudo, sublinha que a EcoPsi “está a crescer” e que um dos objectivos da organização é “formar psicólogos e outros profissionais de saúde mental para esse tipo de sinais e intervenções eficazes”.
Agora, alguns anos mais tarde, envolvida no activismo e com um maior conhecimento sobre o tema, Mourana acredita que já não preenche os critérios de alguém que sofre de ecoansiedade. Para os que estão a passar por isto, deixa alguns conselhos: “É importante que as pessoas saibam que não estão sozinhas. Depois, se for algo que lhes está a desestabilizar a vida, procurar ajuda profissional. Por fim, procurar colectivos e partilhar experiências”, diz. Se não existir nenhum por perto, pode ser um bom pretexto para criar. Porque, sublinha, o melhor remédio é “a luta colectiva”.
Artigo publicado no jornal Público.
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