A confiança é um dos pilares de qualquer relação laboral, sobretudo quando o trabalhador ocupa um cargo de direção. Em Espanha, um caso envolvendo uma diretora de uma estação de Correios voltou a mostrar o impacto da quebra dessa confiança, depois de uma auditoria interna revelar irregularidades no tratamento de prémios dos bilhetes Rasca, uma modalidade de lotaria instantânea muito popular no país.
O que esteve na origem da investigação
A funcionária, com 17 anos de casa na Sociedad Estatal Correos y Telégrafos, exercia funções numa agência da província de Toledo. A situação foi descoberta após uma auditoria interna identificar um padrão repetido ao longo de 2023: a diretora raspava bilhetes Rasca sem registar previamente a sua venda.
Os bilhetes Rasca da ONCE funcionam de forma idêntica às raspadinhas. São cartões de lotaria instantânea vendidos em vários pontos de Espanha. O comprador raspa a superfície e sabe de imediato se ganhou um prémio, mas esse prémio só pode ser pago se a venda estiver formalmente registada no sistema. No caso em questão, a diretora dos Correios raspava primeiro, verificava se havia prémio e, se houvesse, recebia o valor antes de regularizar a operação.
Segundo a auditoria, foram feitas 97 verificações, das quais 28 tinham prémio, num total de 122 euros. Quando confrontada, a diretora pagou apenas uma parte das quantias em falta, de acordo com o jornal digital espanhol Noticias Trabajo.
Processo disciplinar e despedimento
Perante as conclusões da auditoria, a empresa instaurou um processo disciplinar com base no artigo 85.c do III Convenio Colectivo de Correos e no artigo 54 do Estatuto de los Trabajadores, considerando a conduta uma violação grave e continuada da boa-fé contratual.
O Juzgado de lo Social n.º1 de Toledo deu razão à empresa, declarando o despedimento procedente e sem direito a indemnização, destacando que a Diretora dos Correios era a única com autorização para processar aqueles pagamentos, o que agravava a responsabilidade.
Tribunal Superior confirma decisão
A trabalhadora recorreu, alegando que o processo disciplinar tinha sido iniciado fora do prazo legal, já que a auditoria datava de julho e o procedimento só começou em outubro.
No entanto, o Tribunal Superior de Justicia de Castilla-La Mancha rejeitou o argumento, afirmando que o prazo só começa a contar quando a infração é conhecida de forma completa, o que ocorreu apenas no fim da investigação, de acordo com a mesma fonte.
Para o tribunal, não houve um ato isolado, mas sim uma conduta repetida e deliberada, incompatível com o cargo de direção que exercia. O despedimento foi assim confirmado.
Regularização tardia não travou a sanção
A diretora tentou corrigir parte das irregularidades após ter sido confrontada, pagando 39 euros no dia seguinte à auditoria e, dias depois, mais 10 euros relativos a bilhetes não registados.
Porém, os tribunais consideraram que o pagamento tardio não eliminava a gravidade dos factos, nem apagava o padrão de ocultação verificado, de acordo com o Noticias Trabajo.
E se acontecesse em Portugal?
Numa situação equivalente em Portugal, o caso enquadrar-se-ia no regime disciplinar previsto no Código do Trabalho. O despedimento por justa causa teria de seguir os artigos 351.º a 358.º, com nota de culpa detalhada, direito de defesa do trabalhador e decisão fundamentada por parte da entidade empregadora.
O prazo de 60 dias para agir, previsto no artigo 329.º, só começaria a contar quando os factos fossem conhecidos de forma completa, à semelhança da interpretação feita em Espanha.
Num contexto de fraude interna, manipulação de registos e quebra de confiança em funções de direção, a lei portuguesa também considera este tipo de conduta uma violação muito grave da boa-fé contratual, podendo justificar o despedimento imediato sem indemnização, desde que todo o procedimento disciplinar fosse conduzido conforme a lei.
















