Se a esquerda tem alguma hipótese de ombrear com a nova extrema direita no concurso de popularidade das redes sociais é, através de Slavoj Zizek. Zizek é desbragado, barulhento e, usando a expressão em voga, populista, e isto são apenas as qualidades.
Só ao contrapô-lo à noção ingénua da pureza, é que podemos considerar o populismo como fundamentalmente errado, ao invés de uma hábil e eficaz via de comunicação para uma ideia, desde que não, um fim em si mesmo.
Apesar de ter perdido o jeito, a esquerda também já foi populista. Basta pensar nas primeiras acções do Bloco de Esquerda no parlamento ou no belíssimo discurso de Jerónimo de Sousa sobre o “bife do lombo do capitalismo” que cooptei para um dos meus livros. Olhando para Rui Tavares, percebe-se que a destreza está lá. Não que o problema da extrema direita se resolva recorrendo ao seu dialecto, ao seu tom e descendo ao seu nível, mas é necessário estar em diversas frentes simultaneamente e nesse sentido, devemos pensar estrategicamente.

Autor, tradutor e editor
Dizia Brecht que não adianta teorizar sobre política junto do povo se não a conseguirem perceber.
É aí que Slavoj Zizek, que se define como um comunista conservador, granjeia leitores, não necessariamente alinhados com a sua visão do mundo, mas dispostos a escutá-lo, talvez menos pelo conteúdo, do que pela forma. Socorrendo-se, em “Contra o Progresso”, editado pela chancela Objetiva da Penguin, como é habitual, de Lacan e Hegel, o esloveno avança como única possibilidade de reconstruir o tecido social de forma a superar as nossas diferenças, o pós catástrofe ambiental, o que faz sentido, uma vez que, por regra, é nos funerais que enterramos as nossas divergências, juntamente com os mortos. Para contrapor ao capitalismo tardio, Zizek bebe de um Marx tardio que constata ter anteriormente partido do eurocentrismo para estabelecer a sua proposição inicial, e por isso, a revê.
Que as suas propostas possam parecer violentas a uma esquerda em modo virgem ofendida que abdicou de palavras como revolução em troca de outras como reforma, é inquestionável, mas que isso não signifique cairmos na boçalidade das forças opostas que instrumentalizam valores humanos para instituir o esvaziamento desses mesmos valores até que, como louvava Mao, reine a desordem sob o céu, o que tornaria a situação excelente para essas mesmas forças.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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