O POSTAL ouviu duas instituições privadas de referência no Algarve sobre a “falta de pessoas para trabalhar” na região. Ambos são unânimes: o elevado custo dos arrendamentos urbanos é um dos problemas!
O ano de 2022 poderá vir a ser um dos melhores anos turísticos de sempre para Portugal ou mesmo o melhor para a região algarvia, mas nunca a questão da falta de mão de obra foi tão falada sobretudo na área turística: “Perdemos com a pandemia 27% de colaboradores”, adiantou recentemente Luísa Pinho, ‘senior account’ da Randstad Portugal.
No Algarve, há quem não “baixe os braços” e procure novas soluções. A empresa algarvia de trabalho temporário Timing, a maior em número de trabalhadores do setor privado na região, já começou a desenvolver novas soluções tecnológicas para o problema e, segundo Ricardo Mariano, “a Timing tem vindo a dar passos muito interessantes nesta matéria”.
Também o parque temático mais icónico do Algarve investe em novas respostas. O Zoomarine assume-se como uma “empresa-escola” no sentido em que é um empregador com características diferenciadas, salienta Isabel Delgado ao POSTAL.
Mesmo assim, o panorama é preocupante e há quem sinta que as profissões na restauração e hotelaria já “não são percecionadas como atrativas para a maioria das pessoas”.
Faltam igualmente soluções estruturais na mobilidade e sobretudo no acesso à habitação que agravam as estratégias para colocar empregadores e empregados em contacto direto. “Faltam pessoas para trabalhar nos hotéis e restaurantes”, mas ao mesmo tempo em que há muita oferta de emprego, há muitos desempregados.
Vejam-se os números recentes de oferta do IEFP de Faro no quadro aqui publicado:
Os preços do arrendamento urbano são proibitivos; os transportes públicos são quase sempre inexistentes
P – “Faltam pessoas para trabalhar no Algarve”. O que tem que ser feito?
R – As medidas adoptadas por efeito da pandemia covid-19 afetaram muito o normal funcionamento do mercado de trabalho no Algarve, as regras sanitárias, as restrições à mobilidade e os apoios financeiros de certa forma alteraram o funcionamento do setor – o turismo embora represente uma significativa parcela do PIB parece ter passado a atividade não-grata, onde se trabalha muito em pouco tempo, se é mal remunerado e ainda tem uma elevada exposição a contacto direto com pessoas eventualmente infetadas pelos mais variados vírus. Esta disseminação de meias-verdades prejudica claramente uma região que há décadas que luta contra os efeitos da sazonalidade climática, o Algarve não é apenas o mês de agosto, temos uma região lindíssima com um clima moderado que permite fazer turismo de qualidade pelo menos de março a outubro.
A oferta de alojamento turístico e atividades complementares é variada e com cada vez maior qualidade, sendo que essa responsabilidade recai maioritariamente nos empregadores privados que assumem a responsabilidade de contratar por 12, 9 ou 6 meses para garantir formação e estabilidade às suas equipas quando o boom de clientes ocorre apenas em época estival. Esta sazonalidade cria nas pequenas empresas como o Zoomarine um ónus tremendamente difícil de ultrapassar se o mercado de trabalho não oferecer capital humano suficiente para garantir um serviço de qualidade.
A tarefa complica-se para os empregadores quando os preços do arrendamento urbano são proibitivos, muitas vezes em contraciclo com o normal funcionamento das empresas; os transportes públicos são quase sempre inexistentes ou apenas funcionam dentro dos aglomerados urbanos e por isso as próprias empresa têm de assegurar o transporte aos seus colaboradores; a densidade populacional é abaixo da média nacional e para agravar ainda mais essa já dura realidade “trabalhar no turismo perdeu glamour”.
O que pode ser feito passará por resolver com medidas estruturais cada um destes problemas por forma a permitir a melhoria das condições de vida da população em geral por forma a fixar na região mais pessoas em idade ativa e disponíveis para aceitar as muitas ofertas de trabalho na região – coisa que nada tem a ver com questões salariais diretas, uma vez que as múltiplas ofertas de trabalho que proliferam nas redes sociais diariamente não chegam sequer a ser respondidas para indagar as condições oferecidas.
Temos mais de 230 vagas disponíveis que vão desde o biólogo/a à cozinheira/o, passando pela receção, o atendimento nas lojas ou nos restaurantes, a manutenção e tantas outras vagas diferentes e desafiantes
P – Faltam estratégias para colocar empregadores e empregados em contacto direto?
R – No caso do Zoomarine, historicamente sentimos que sempre fomos e seremos uma “empresa-escola” no sentido em que somos um empregador com características diferenciadas – é difícil encontrar no mercado pessoas já com a formação especifica que necessitamos. Fazemos muito recrutamento interno e como tal as possibilidades de crescimento são uma realidade, temos um departamento especializado em capital humano que está em contacto permanente com as mais variadas universidades e escolas do país, que cuida de cada pessoa como um membro de uma grande família, por isso optamos por não ter dentro do parque empresas sub-contratadas, fazemos uma contratação direta e muito focada em perfis que permitam o crescimento pessoal orientado para uma cultura de lazer, animação e educação ambiental, é isso que cultivamos diariamente nos nossos colaboradores.
O benefício mais direto e amplamente aceite da pandemia covid-19 foi o aumento da literacia digital, nesse sentido o contacto entre empregadores e empregados é hoje mais fácil, o primeiro contacto já se faz de forma digital e até muitos processos de seleção já são inteiramente online, abriu-se um leque de possibilidades, tanto para uns, como para outros.
No caso do Zoomarine, avançámos esta quarta-feira em live stream com um “Dia Aberto de Recrutamento” inteiramente online, disponível a nível nacional, onde os candidatos puderam conhecer as chefias, as vagas disponíveis, esclarecer dúvidas e colocar questões, bastou ter internet, aceder ao evento através de um link enviado no momento da inscrição e participar online.
Temos mais de 230 vagas disponíveis que vão desde o biólogo/a à cozinheira/o, passando pela receção, o atendimento nas lojas ou nos restaurantes, a manutenção e tantas outras vagas diferentes e desafiantes.
Solução passa por soluções tecnológicas e a Timing tem vindo a dar passos muito interessantes nesta matéria
P – “Faltam pessoas para trabalhar no Algarve”. O que tem que ser feito?
R – Efetivamente, existem fatores a nível das condições de trabalho que podem ser melhorados.
A questão dos horários por turnos ou repartidos, a disponibilização de transportes para os colaboradores, a alimentação fornecida, a duração dos contratos e as remunerações praticadas assumem, nos dias de hoje, uma particular relevância, e nem todas as empresas deste setor na região estão tão atentas como deveriam, aos pontos mencionados. O elevado custo dos arrendamentos é um problema que demorará anos a ser resolvido e, que passa, obrigatoriamente, pelo lançamento de medidas públicas.
P – Será que faltam igualmente estratégias para colocar empregadores e empregados em contato direto?
R – Excelente pergunta! Efetivamente, todos os dias há vagas por preencher e pessoas que gostariam de as ocupar, ficando o trabalho por fazer ou deixando os restantes colegas ao serviço sobrecarregados. Isto acontece porque ambas as partes não conseguem chegar uma à outra nesse momento. A solução passa obrigatoriamente por soluções tecnológicas e a Timing tem vindo a dar passos muito interessantes nesta matéria.
O elevado custo dos arrendamentos é um dos problemas
P – Sente que existem diferenças entre as necessidades de mercado e a oferta providenciada pelas instituições de ensino?
R – Na última década o crescimento a que assistimos na indústria hoteleira, não foi acompanhado pelas instituições de ensino e respetiva oferta formativa. Temos muitos desafios pela frente, principalmente, na correta adequação dos cursos e do que neles ensinam com as necessidades do mercado de trabalho, que se encontra em constante mudança.
P – E da parte dos colaboradores, as expetativas mudaram em relação às empresas?
R – A pandemia veio expor algumas fragilidades do setor. Horários e folgas rotativas, turnos repartidos, entre outros pontos chocam, nos dias de hoje, com as expetativas da maior parte dos trabalhadores do setor. Assistimos a aumento visível das remunerações praticadas pelos empregadores e a duração dos contratos assume uma particular importância.
P – Quais são as vagas mais difíceis de preencher em hotelaria?
R – Desde há muitos anos que em determinadas profissões a dificuldade na contratação é superior. Ou seja, quanto mais numeroso e qualificado for o departamento, mais moroso é o processo de recrutamento e seleção. Contratar um bom cozinheiro, ou um bom empregado de mesa é hoje uma tarefa difícil. Na receção de hotel o cenário é o mesmo.