Num mundo em cacofonia, o silêncio vale mais que petróleo quando o que existe é o ruído da fabricação de conteúdo. Mas quando esse ruído é dos ataques indiscriminados aos oprimidos e actualmente aos palestinianos, silêncio é morte.
Não haja dúvidas que estamos a assistir a um genocídio em directo de uma forma inédita. Que não haja também dúvidas que, para além do calculismo que apenas contempla o equilíbrio geopolítico e a influência nos preços, este bater de asas despoletará um furacão de várias camadas.
O que nós, à distância podemos fazer, é limitado, mas deve ser feito. Coisas simples como informarmo-nos com fontes fidedignas, exercitar a empatia, cultivar a humanidade, o boicote, a pressão sobre os governos e acima de tudo, manifestar solidariedade e falar do assunto. Este é um ponto fulcral, particularmente para quem dispõe de visibilidade e de público predisposto.
É no mínimo, desumanizadora, a forma como a maioria das figuras públicas continua a sua vida como habitualmente. No unboxing, na promoção dos livros, discos, filmes, arte ou do que for. Sem qualquer relação com a realidade que as rodeia, por insensibilidade ou talvez por medo de que a sua opinião desagrade. Mas se não desagradas a ninguém, estás certamente a fazer algo errado. Ou pior, insignificante.
Em 1993, os Propagandhi, uma banda ainda hoje desconhecida da maioria, cantava:
Prefiro estar preso num mundo Orwelliano do que numa sociedade pacificada de rapazes e raparigas felizes. Prefiro conhecer os meus inimigos e dar-te a conhecer o mesmo.
Não é a obrigatoriedade de tomar uma posição que manifesto, mas uma perplexidade face à incapacidade ou falta de vontade de tomar uma. Pessoas melhores que eu já o disseram: a neutralidade é o partido do opressor. Ao contrário do que reza a história, a Suíça não era neutra ou não teria facturado 20 milhões de francos ao transacionar com os nazis.
Quando alguém tem possibilidade de chamar a atenção para o que acontece na Palestina, no Congo, no Sudão e não o faz é um acto de complacência a favor do opressor.
Eu sei, estou a romantizar a coisa e a propor uma utopia, como me disse no outro dia o meu pai no almoço de Natal. O que lhe respondi e reitero, foi que a tendência deve ser caminhar na direcção da utopia e não para longe dela.
Não houve um evento público em que eu tenha estado envolvido desde 7 de Outubro, no qual não tenha aproveitado para chamar a atenção para o que se passa em Gaza. No meu caso (passo a publicidade), via poética, ao oferecer os “Caderno de Poesia de Resistência Palestiniana” como forma de dar voz a quem a não tem.
Se a arte, seja ela qual for, não tem nada para dizer, se não tem uma posição a tomar, então é um logro. Toda a vida me disseram que nunca se deve discutir religião nem política e toda a vida fiz questão de discutir ambas. Qualquer pessoa com uma voz deveria sentir-se impelida a verbalizar aquilo em que acredita e defender aqueles que não se conseguem defender a si próprios. Já nem as misses se safam com desejos tão vagos como paz no mundo quando até mesmo a barbie ganhou consciência de classe em 2023.
*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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