No passado, as exposições de obras de arte eram feitas em locais para o efeito, galerias ou museus. Inclusivamente, o caráter artístico atribuído a uma peça tinha a ver com o facto de estar exposta nesse tipo de local. Foi o caso da peça “A fonte” exposta por Duchamp (1917), a qual era um urinol que adquiriu um outro significado a partir do momento em que foi exposto noutra perspetiva. Este readymade teve uma grande influência sobre o desenvolvimento da arte contemporânea, nomeadamente no que diz respeito à arte conceptual.
Com a arte urbana ou street art as manifestações artísticas começaram a ser desenvolvidas no espaço público, distinguindo-se das manifestações de caráter institucional ou empresarial, permitindo uma maior aproximação das artes visuais às pessoas. Têm sido várias as expressões artísticas incluídas neste tipo de arte, desde o graffiti e o estêncil até projeções de vídeo ou vídeo mapping.
Com a pandemia da COVID-19 começaram a ser promovidas exposições online de arte visual, podendo ser visitados de forma virtual alguns dos principais museus do mundo.
Assim, o conceito de espaço e local para expor obras de arte visual tem vindo a alargar-se ao longo dos tempos, tornando a arte cada vez mais acessível ao público.
Tendo Portugal uma grande extensão do seu território junto ao mar, torna-se compreensível que também o mar comece a ser visto como um local onde podem ocorrer exposições.
Nessa perspetiva, Vhils realizou a primeira exposição subaquática em Portugal. Uma dezena de peças compõem a primeira mostra abaixo da linha de água da costa portuguesa, ao largo de Albufeira, no Algarve, no âmbito de um projeto inaugurado a 19 de setembro, a “EDP Art Reef”.
A EDP juntou-se ao artista Vhils para uma intervenção artística sobre peças de centrais a carvão e fuel que a energética desativou para dar lugar a projetos renováveis.
As peças de antigas centrais termoelétricas da EDP terão agora uma nova vida no fundo do oceano, de acordo com o compromisso da EDP em ser 100% verde até 2030 e de deixar de produzir energia a partir de combustíveis fósseis.
Ao longo dos últimos seis meses, várias obras do artista plástico Vhils foram submersas a cerca de duas milhas da costa de Albufeira, numa área de 150 metros, com uma área da exposição de 1.250m2, sendo que a peça mais alta mede 5,3m por 4,8m de diâmetro e intitula-se Periscópio. Esta representa a entrada na exposição, tendo um simbolismo acentuado por via do seu posicionamento. O visitante, ao passar no centro do moinho, poderá observar através das suas aberturas uma composição referente aos três continentes atlânticos. Esta obra representa o período em que o mar constitui um mero ponto de observação para a humanidade, uma fronteira intransponível que desperta curiosidade e, simultaneamente, receio do desconhecido. Esta escultura foi trabalhada pelo artista e irá apresentar três olhares talhados em ferro.
A submersão das obras tem como intuito gerar um novo recife artificial a 12 metros de profundidade na costa de Albufeira, podendo ser visitáveis através da prática de mergulho qualificado.
Antes de serem submersas, as obras que Vhils criou a partir de peças de antigas centrais termoelétricas a carvão e fuel, entretanto desativadas, estiveram expostas na sede da EDP, em Lisboa.
As obras foram concebidas tendo em conta a promoção de um ecossistema favorável ao crescimento de recifes de coral e ao aparecimento de formas de fauna e flora marítimas, pensadas de forma a gerar um novo recife artificial na costa de Albufeira. Para garantir rigor científico e sustentabilidade ambiental, a concretização do projeto contou com o apoio do CCMar, da UAlg, tendo sido validado pela Direção Geral de Recursos Naturais e pela Agência Portuguesa do Ambiente. Trata-se, assim, de combinar o poder criativo de Vhils com o poder criativo da natureza, num exemplo que procura conciliar ciência, arte, turismo e sustentabilidade.
De acordo com Vhils, “a ideia de submergir instalações compostas por peças de centrais termoelétricas desmanteladas no oceano carrega um forte peso metafórico, tanto no que diz respeito à consciencialização sobre a necessidade do uso responsável de recursos, como no sublinhar de questões ambientais que necessitam de respostas urgentes, e que advêm da atividade humana no planeta”, afirma Vhils. Segundo o artista, “a intervenção artística EDP Art Reef é um percurso ao longo das várias peças instaladas naquele espaço, que conta uma história que se vai desenrolando com vários elementos e profundidades, havendo até peças com as quais se pode interagir”. Complementa, afirmando que quase todo o seu trabalho é efémero, mas “no caso deste projeto, a intenção é mesmo que o mar tome conta das peças”.
Para já, as peças podem ser vistas no miradouro Pau da Bandeira, até final de 2023, numa exposição das imagens das peças submersas fotografadas pelo fotógrafo subaquático Nuno Sá.
A exposição subaquática está assinalada por uma boia (coordenadas: N 37.06922391, W -8.20990784) e pode ser visitada por qualquer mergulhador, devendo ser acompanhados por um técnico, após um seguro e um termo de responsabilidade, a firmar com empresas associadas ao projeto, as quais podem ser consultadas através do website da EDP (https://www.edp.com/pt-pt/edp-art-reef).
Leia também: Porquê escrever 100 artigos com perguntas sobre artes visuais? | Por Saúl Neves de Jesus